Segundo Take

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Distopia ou utopia?

Este texto foi publicado originalmente na Take Cinema Magazine dia 5 de julho de 2016 com o título [Patinho Feio] THX 1138 (1971) e pode ser lido na íntegra aqui.

Descobrir THX 1138 ao fim destes anos todos foi para mim uma revelação. Este é o produto de um George Lucas muito diferente do que viríamos a conhecer como o criador do fenómeno Star Wars. Aliás, THX 1138 é quase o antídoto do tipo de cinema popular a que Star Wars abriu as portas, e foi um revés nos planos e sonhos da American Zoetrope do seu amigo Francis Ford Coppola que lhe produziu o filme, quando este teve uma performance discreta de bilheteira. Escrito em parceria com Walter Murch, que é também responsável pela montagem de som, foi desenhado como uma experiência sensorial, mais do que uma simples narrativa convencional. O seu efeito é propositadamente desorientador e alienador, construindo um universo asséptico, comandado pelo consumismo, pelas drogas e pela religião, sem fazer qualquer tipo de cedência ao espectador que tem de beber da experiência para que as peças do puzzle se comecem a encaixar e a fazer algum sentido.

A história é simples e resume-se facilmente: THX 1138 é um trabalhador que, ao deixar as drogas que o controlam emocionalmente, e que são obrigatórias pelo poder instituído, se apaixona pela sua colega de habitação, LUH 3417. Ao consumarem a sua relação num proibido e vigiado ato sexual, vêem-se perseguidos pela autoridade robótica que patrulha as ruas e a sua fuga é colocada em perigo por SEN 5241, um oportunista que denuncia THX porque quer um novo e asseado colega de habitação. Nas próprias palavras de Lucas este é um filme sobre uma fuga. THX não persegue nenhum sonho nem objetivo. Apenas foge do seu meio ambiente, em direção ao desconhecido, porque é a única coisa a fazer depois da tomada de consciência. Essa fuga é contada em três atos distintos onde a mesma história é contada de três formas distintas: no primeiro ato é contada de uma forma tradicional; no segundo ato toma uma forma mais abstrata; no terceiro ato é contada num prisma de ação.

É fácil perceber THX 1138 como uma reação ao consumismo e ao conformismo a que Lucas assistia no final dos anos sessenta. A verdade é que as suas ansiedades são universais e intemporais. Nos anos oitenta John Carpenter escreveu Eles Vivem partindo das mesmas preocupações. Os anos noventa deram-nos Gattaca, de Andrew Niccol e, embora ainda não tenha visto Iguais, um filme de Drake Doremus estrado este ano, presumo que este seja uma atualização destes mesmos temas. Curiosamente uma das previsões corretas de THX 1138 é a dos canais televisivos inteiramente dedicados a um tema, seja violência, sexo ou notícias, um conceito futurista na altura mas uma realidade dos dias de hoje. Esta ideia sublinhando de forma evidente o conceito da televisão como ferramenta de alienação, passividade e pacificação.

Contudo THX 1138 é tão clínico como a sociedade que retrata e, mesmo que o espectador o aborde tendo o contexto certo, o seu experimentalismo deixa-nos sempre a uma certa distância. Falta-lhe um centro emocional para nos ajudar a embarcar na viagem juntamente com o seu herói. O reconhecimento intelectual dos temas e conceitos é insuficiente para abraçar na totalidade a promissora primeira obra de um jovem George Lucas que, no entanto, conseguiu com este filme chamar suficiente atenção para que lhe financiassem o seu próximo projeto, American Graffiti: Nova Geração. De referir também o facto de que vi o Director’s Cut de 2004 onde o seu autor alterou e aumentou certas cenas com o recurso a efeitos digitais por computador. Nunca tendo visto a versão original são, no entanto, evidentes as mexidas pela qualidade anacrónica das mesmas e pelos efeitos obviamente impossíveis de concretizar na altura de rodagem. Existem vídeos no YouTube que mostram a comparação entre as duas versões mas dada a minha natureza retentiva sinto que ainda deverei procurar a versão original no futuro.

THX 1138 não é um filme de referência, mas é uma curiosidade que merece ser experimentada pelo menos uma vez na vida.

Não percam também as minhas divagações sobre este filme no episódio #37 do podcast Segundo Take.

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