A outra face da normalidade
Este texto foi publicado originalmente na Take Cinema Magazine dia 6 de setembro de 2016 com o título Capitão Fantástico e pode ser lido na íntegra aqui.
Capitão Fantástico é uma surpresa em mais do que um sentido. Desconhecia a sua existência até umas semanas atrás, apesar do prémio de realização na secção Un Certain Regard da edição do Festival de Cannes deste ano. E é precisamente o seu realizador o outro factor de surpresa. Matt Ross é um actor que conheço bem de dois projectos bastante distintos. Foi memorável em 2000 como Luis Carruthers em Psicopata Americano, contracenando com Christian Bale, e é brilhante actualmente como Gavin Belson na série cómica Silicon Valley. Esta é a segunda longa-metragem que escreve e realiza, revelando-se como uma voz distinta num filme que, apesar do título que remete para o universo de super-heróis, conta uma história sobre uma família à margem dos conceitos normalizados que a sociedade definiu para as mesmas, encabeçada pelo pai, Ben, que se vê confrontado pelas suas próprias limitações, numa excelente interpretação de Viggo Mortensen.
Nas florestas do noroeste americano Ben educa os seus seis filhos à margem da sociedade. Quando recebe a notícia de que a sua esposa, hospitalizada com transtorno bipolar, se suicidou, leva-os numa viagem ao Novo México para assistir ao funeral da sua mãe, apesar dos avisos do seu sogro de que o irá mandar prender caso interrompa a cerimónia. Matt Ross traz as emoções à flor da pele e a brutal honestidade com que dota Ben, é de igual forma desconcertante e inspiradora, mesmo em momentos como aquele em que dá a notícia da morte da mãe aos filhos. Entre o choque e a tristeza esta honestidade invoca-nos um respeito por Ben, independentemente da nossa opinião sobre o seu estilo de vida. A sua postura é radical mas a dinâmica interna da família, o seu equilíbrio, conhecimento e capacidades, recalibram o nosso próprio conceito de normalidade. De tal forma que, quando confrontados com a sociedade tal como a conhecemos, nos parece estranha e desprovida de sentido. A ironia é que esse é o dilema de Ben. Com que fim educa e protege os seus filhos? Apesar de inteligentes, fisicamente aptos, independentes e com uma rara inocência e fibra moral, de que serve tudo isso sem a experiência e o contacto humano? “Não sei nada que não tenha lido num livro”, queixa-se Bo, o filho mais velho. E com isto, o mundo de Ben é abalado nos seus alicerces.
Capitão Fantástico é um filme de actores, ou não fosse também Ross um. Num elenco que também conta com Frank Langella, Ann Dowd, Kathryn Hahn, e Steve Zahn, é difícil encontrar uma interpretação menor, talvez com a excepção de alguns momentos com os elementos mais benjamins do elenco, mas o foco vai inteiramente para Viggo Mortensen que carrega o filme aos ombros com uma interpretação de um personagem complicado, com a dose certa de confiança, determinação, honestidade e empatia para nos conquistar desde os primeiros momentos. Onde o filme vacila é ao nível narrativo, não tendo a força das suas convicções até ao cair do pano. Além de se escusar a lidar com as consequências dos actos das personagens na recta final tem uma resolução algo redonda e conformista, encontrando uma aparente resolução para os seus conflitos algures a meio caminho entre o ser extraordinário e a normalidade. Ainda assim é inegável o seu charme tocante e inspirador e coloca Matt Ross como um autor a ter em consideração no futuro.
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