Umas férias de Natal para não esquecer
Este texto foi publicado originalmente na Take Cinema Magazine dia 20 de dezembro de 2016 com o título Ciclo Natal 2016 . Férias Assombradas e pode ser lido na íntegra aqui.
Na tradição de filmes de Natal com um espírito alternativo às festividades da época um dos títulos mais curiosos é Férias Assombradas, no original Black Christmas, uma produção canadiana realizada por Bob Clark em 1974. Este é um thriller psicológico de terror do realizador que mais tarde ficaria célebre pela comédia Porky’s, de 1981, pela sua primeira sequela Porky’s II, dois anos mais tarde, e, ironicamente, por um tradicional clássico de Natal do mesmo ano, Uma História de Natal.
Apesar de pouco celebrado Férias Assombradas é um filme inovador em vários aspetos que mais tarde farão sucesso em filmes mais aclamados, como Chamada Misteriosa, de 1979, onde uma baby-sitter é aterrorizada por um assassino psicopata com chamadas telefónicas ameaçadoras, ou o clássico absoluto Halloween – O Regresso do Mal, de 1978, não só através do enquadramento da história num feriado festivo, como pelo uso da câmara como ponto-de-vista do assassino, à imagem do pioneiro A Vítima do Mal, filme de 1960 de Michael Powell, e que seria imortalizado no filme de John Carpenter. É precisamente um dos primeiros filmes do género a utilizar um feriado festivo como elemento central da sua narrativa e seria seguido por – além de Hallowen – títulos como Sexta-feira, 13 (1980), Meia-Noite Fatal (1980), O Dia da Mãe (1980), Formatura Macabra(1981), O Assassino Romântico (1981), O Fatal Silêncio da Noite (1984) e O Dia das Mentiras (1986). É também um dos primeiros filmes do género slasher que explodiu na década seguinte, muito embora o seu autor o considere mais um thriller psicológico.
Bob Clark contou também com alguns nomes sonantes no seu elenco. Olivia Hussey, no papel de Jess, tinha ficado célebre seis anos antes no Romeu e Julieta de Franco Zeffirelli. Keir Dullea, como Peter, protagonizou também em 1968 o histórico filme de Stanley Kubrick 2001: Odisseia no Espaço. Margot Kidder, a irrascível Barb, seria Lois Lane na popular adaptação de Super-Homem por Richard Donner em 1978, enquanto que John Saxon, que encarna o tenente Ken Fuller, já na altura um ator de culto com a colaboração no ano anterior com Bruce Lee em O Dragão Ataca, consolidaria mais tarde o seu estatuto com a participação em filmes como O Pesadelo em Elm Street e Aberto até de Madrugada.
A premissa do argumento escrito por Roy Moore é simples, mas eficaz. Quando a maior parte das estudantes de uma irmandade universitária vão de férias de Natal, as restantes são aterrorizadas por um assassino que se esconde no sótão e que as ameaça através de perturbantes chamadas telefónicas. O desaparecimento de uma das raparigas, Clare, e a descoberta do corpo de uma menina de 13 anos num parque local, vão levar ao envolvimento da polícia que coloca o telefone da irmandade sob escuta com o intuito de descobrir a origem das chamadas. No centro da narrativa está Jess que, ao descobrir que está grávida, comunica a Peter, o seu namorado, da sua intenção de interromper a gravidez. Este não fica satisfeito com a revelação e, depois de falhar uma audição importante para as suas aspirações a uma carreira musical, revela comportamentos bizarros, colocando-se no topo da lista de suspeitos.
Tal como aconteceria em Halloween, também em Férias Assombradas a quadra festiva é apenas um elemento secundário à narrativa. A única relevância do Natal é o providenciar do dispositivo narrativo para vagar a casa e providenciar a alguns dos desaparecimentos um elemento de normalidade pois, ao fim e ao cabo, as personagens estão de partida para as férias da época. Curiosamente aquando da sua estreia nos Estados Unidos da América o título foi mudado para Silent Night, Evil Night para evitar confundir o filme com os títulos de blaxploitation, género muito popular na época. Depois de uma fraca performance foi novamente lançado com o título original, desta vez com mais adesão do público.
A costela cómica de Bob Clarke revela-se em Férias Assombradas pois o seu realizador introduz alguns elementos cómicos, nomeadamente através de personagens com elevado consumo de bebidas alcoólicas, tanto a Barb, o que proporciona a Margot Kidder a oportunidade para dar largas trincas no cenário, como Mrs. Mac (Marian Waldman), a tutora da irmandade que parece ter garrafas escondidas em todos os recantos incluindo livros ou mesmo o autoclismo. Na verdade, o casamento do suspense com estes elementos humorísticos não funciona em pleno e o ritmo do filme parece algo desequilibrado nos momentos iniciais. Mas ultrapassando a moda datada – tanto de vestuário, como capilar – Férias Assombradas oferece momentos de genuína perturbação. Por um lado, por causa da aleatoriedade dos ataques, e pela visceralidade dos telefonemas ameaçadores, nitidamente com origem numa mente perturbada. Por outro pela famosa cena do olho do assassino a espreitar Jess na sequência final, e pela resolução ambígua e desprovida de explicações ou psicologias baratas a explicar as origens do mal perpetrado pela misteriosa figura. Clarke opta por nunca revelar o assassino deixando o espectador à procura de explicações e justificações para os seus atos, estimulando a sua imaginação e convidando-o a projetar os seus próprios medos e fobias.
Férias Assombradas é um filme natalício que merece ser descoberto por quem gosta de desafiar o espírito da época. Para os fãs do género revelar-se-á bastante familiar pois contribuiu para alimentar certos estilos e lugares-comuns usados e abusados mais tarde em filmes mais populares. Sem recorrer a choques fáceis constrói o seu suspense pacientemente através de uma lenta insinuação de um terror aleatório e caseiro que colocará muita gente a acender as luzes antes de subir as escadas ou antes de ir a um sótão escuro buscar os enfeites de Natal.
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