O sabor do capitalismo
Este texto foi publicado originalmente na Take Cinema Magazine dia 14 de Março de 2017 com o título O Fundador e pode ser lido na íntegra aqui.
Ray Kroc (Michael Keaton) era um mero vendedor de máquinas de batidos norte-americano a fazer pela vida quando em 1954 “tropeça” nos irmãos Maurice “Mac” McDonald (John Carroll Lynch) and Richard “Dick” McDonald (Nick Offerman). Estes tinham criado uma popular hamburgueria de serviço rápido e eficiente assente num ambiente familiar. Ao aperceber-se do enorme potencial para a expansão do conceito, e da incapacidade dos irmãos para sua a gestão, Ray oferece a sua parceria para lidar com os pormenores ligados ao processo de angariação de franquias, mas lentamente começa a sua ambição desmedida começa a revelar-se.
O Fundador sofre, à partida, dos mesmos preconceitos que um filme como A Rede Social, de David Fincher, sofreu. Tal como este era o filme sobre o Facebook, O Fundador é o filme sobre o McDonalds. Como pode ser outra coisa que não publicidade mal disfarçada ao fenómeno da restauração mundial? A verdade é que Robert D. Siegel, que em 2008 escreveu o excelente O Wrestler, realizado por Darren Arronofsky, parte de duas biografias – uma, a autobiografia oficial, a outra, uma biografia não autorizada – de Ray Kroc, não para glorificar a ascensão de um império, mas para traçar um retrato sinistro sobre o verdadeiro custo da ambição capitalista e o atingimento do sonho americano.
Apesar dos lugares-comuns de um típico biopic – como o habitual “Baseado em acontecimentos verídicos”, ou os resumos no genérico final a informar do destino dos protagonistas ilustrados com fotografias das pessoas “verdadeiras” – O Fundador acompanha o nascimento e o crescimento, não de um homem, mas de um negócio. John Lee Hancock é um experiente argumentista e realizador que aqui parte do argumento de Siegel e através de uma sóbria e clássica mise-en-scène coloca em foco os talentos interpretativos de Michael Keaton no papel do homem no centro da narrativa. O veterano ator, nomeado para o Óscar de Melhor Ator em 2015 por Birdman, de Alejandro G. Iñárritu, finca o dente num personagem que exterioriza um charme e carisma superficiais que mal contêm a sua verdadeira natureza. Keaton personifica de forma subtil o espírito empreendedor que atropela e ignora os valores dos idealistas irmãos McDonald, em duas seguras interpretações de Offerman e Lynch.
Kroc não é inovador nem talentoso. É na persistência que encontra o seu mantra e a sua razão de ser. A sua vitória assenta num roubo descarado ao qual Mac e Dick apenas podem assistir impávidos, conscientes que os seus valores não são compatíveis com a criação de um império com o qual não se identificam. Neste aspeto o título do filme é ambivalente. Kroc é verdadeiramente o fundador da cadeia ao nível mundial McDonalds tal como a conhecemos hoje, mas não foi ele o fundador da casa que lhe deu nome e muito menos dos valores e padrões de qualidade a que esse mesmo nome estava associado na sua criação.
O Fundador é um sólido e competente filme de traço clássico que traduz na perfeição o seu eficiente argumento assentando numa irrepreensível recriação de época, uma fotografia de pinceladas nostálgicas, e um excelente elenco encabeçado por um Michael Keaton que, em qualquer outro ano, e com outra data de estreia, teria sido certamente considerado na época dos prémios cinéfilos.
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