Segundo Take

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Era uma vez um sonho...

Este texto foi publicado originalmente na Take Cinema Magazine dia 19 de Abril de 2017 com o título O Jovem Karl Marx e pode ser lido na íntegra aqui.

 

Raoul Peck é um realizador haitiano com mais de trinta anos de carreira. A sua filmografia, que inclui longas-metragens, documentários e filmes produzidos para a televisão, revela uma preocupação política, não só com o seu país de origem como com outras coordenadas do planeta. Lumumba (2000) retrata a ascensão ao poder e o assassinato do líder congolês Patrice Lumumba. Sometimes in April (2005) tem como pano de fundo o genocídio ocorrido em 1994 no Ruanda. No seu documentário de 2016, I Am Not Your Negro, nomeado para o óscar de Melhor Documentário, Peck perspectiva o livro que James Baldwin nunca acabou onde pretendia contar histórias na primeira pessoa de três dos seus amigos pessoais — Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King, Jr.

Em O Jovem Karl Marx, uma produção alemã, belga e francesa, Peck colabora com o argumentista Pascal Bonitzer, veterano escritor, antigo colaborador habitual de autores como Jacques Rivette ou André Téchiné, para retratar os cinco anos que antecederam a publicação do Manisfesto Comunista. A narrativa cobre acontecimentos ocorridos em Colónia, Paris, Bruxelas e Londres entre 1843 e 1848. Depois do fim da Gazeta Renana em 1843, no seguimento dos seus ataques ao governo prussiano, Karl Marx (August Diehl) muda-se para Paris na companhia da sua mulher Jenny von Westphalen (Vicky Krieps). Na sequência da sua luta contra o capitalismo e a burguesia encontra-se em Paris com Friedrich Engels (Stefan Konarske), o seu futuro amigo e colaborador de longa data. Após a expulsão desta capital europeia, Marx exila-se em Bruxelas e torna-se um membro da Liga dos Justos, juntamente com Engels. Ao radicalizarem as suas visões da luta do proletariado a partir do interior da Liga, contrariando a sua orientação de «socialismo utópico», transformaram-na na Liga Comunista, tornando-a na primeira organização internacional marxista.

Apesar do título focar exclusivamente o mais conhecido dos nomes, O Jovem Karl Marx centra-se na relação entre os dois filósofos amigos. As teorias de Marx sobre sociedade, economia e política que viriam a ser conhecidas como marxismo nasceram do trabalho do par e do alicerçar dos seus tratados sobre as relações humanas e de trabalho na luta de classes. Marx, abrasivo e beligerante, tem o apoio da sua mulher de origens aristocráticas apesar da precária situação económica em que vivem constantemente. Engels vive dividido entre o serviço que presta ao pai nas suas fábricas e o impulso de lutar pela justiça social e pelos direitos dos trabalhadores, apaixonando-se por uma operária.

A mise en scène de Peck é clássica e serve a narrativa de forma eficiente. Embora o tratamento das ideias seja algo superficial esta é uma boa introdução para quem não conheça a vida e a obra de Marx que, é necessário dizer, extravasa em larga escala os limites desta biografia. Reconhece-se a intenção de retratar o homem antes de este se tornar o mito e de estabelecer uma ponte de ligação entre a luta de classes do meado do século dezanove e as tensões sociais e humanas de hoje-em-dia. É pena que parte deste objectivo tenha sido guardado para a montagem do genérico final, ao som anacrónico de Bob Dylan, em vez de ter enriquecido o texto de um filme que acaba por servir a função de uma interessante aula de História.

 

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