O terror onírico de Dario Argento
Nesta edição de Universos Paralelos, um programa da autoria de António Araújo (Segundo Take), José Carlos Maltez (A Janela Encantada) e Tomás Agostinho (Imaginauta), que poderão encontrar segunda-feira, 22 de Julho em www.segundotake.com/podcast, entramos nos pesadelos de Dario Argento e exploramos o terror onírico do mestre italiano.
Nascido em Roma, em 1940, filho de um produtor de cinema de origem siciliana e de uma fotógrafa brasileira, Dario Argento esteve desde novo ligado às artes visuais, sentindo que era esse o modo como melhor se poderia expressar. Não obstante, e decidindo não seguir uma carreira universitária, foi na escrita que Dario Argento começou a trabalhar, nomeadamente como jornalista, tendo, inevitavelmente, dirigido a sua atenção para o cinema, tornando-se crítico cinematográfico.
Essa forma de ver o mundo através de narrativas visuais, levou-o, graças às portas abertas pelo pai, Salvatore, a ter algumas histórias transformadas em argumentos de cinema nos anos 60. Mas o seu nome começou a ser notado em 1968, quando escreveu, em parceria com outro futuro realizador — Bernardo Bertolucci —, o argumento do célebre western spaghetti Aconteceu no Oeste, de Sergio Leone.
Seguiram-se mais alguns argumentos seus para filmes menores, mas cada vez mais Argento pensava que tudo resultaria melhor se não se limitasse a escrever, mas realizasse ele próprio os filmes. Foi então que, mais uma vez com auxílio paterno, Dario Argento realizou o seu primeiro filme, o giallo (que é assim como quem diz "thriller policial à italiana") O Pássaro com Plumas de Cristal, onde trouxe um modo muito pessoal (leia-se mortes mais sangrentas e macabras) a este género já popular em Itália desde que Mario Bava realizara, em 1963, A Rapariga que Sabia Demais.
Depois de quatro giallos de sucesso (e de uma comédia fracassada), Argento passou a estrela internacional com a realização de Suspiria, em 1977, protagonizado pela norte-americana Jessica Harper. Suspiria deixava para trás o giallo convencional, misturando-o com um terror sobrenatural de influência gótica, mas, acima de tudo, dando-nos uma visão muito pessoal que resulta em barrocas explosões de cor, banda sonora enervante (a cargo da banda Goblin que o acompanharia em muitos filmes), e história algo surreal, de claro onirismo.
Esse onirismo — que mostrava cada vez mais que Dario Argento filmava pesadelos, mais que filmes com princípio, meio e fim — é continuado logo no filme seguinte Inferno, sequela de Suspiria, e segundo tomo do que se chamaria a “Trilogia das Três Mães”, fechada em 2007 com Mãe das Lágrimas: A Terceira Mãe. A partir daí (produzido primeiro pelo pai Salvatore, depois pelo irmão Claudio, e mais tarde por si próprio), fosse em histórias mais realistas e policiais, como Tenebre, de 1982, ou em histórias de vertente sobrenatural como Penomena, de 1985, protagonizado por uma muito jovem Jennifer Connelly, e até em refúgios no gótico de época, como O Fantasma da Ópera, são constantes as lógicas de sonho ou pesadelo (Phenomena, Viagem ao Inferno), temas esotéricos como o espiritismo (Profondo Rosso, Trauma), ou os freudianos traumas do passado (O Pássaro com Plumas de Cristal, Quatro Moscas de Veludo, Tenebre, Terror na Ópera, Sangue de Inocentes).
Mas acima de tudo, o que fica de Argento e o que (mesmo que a qualidade dos seus filmes seja muito díspar) lhe valeu o elogio de pares como George A. Romero e John Carpenter, é a sua capacidade de quebrar barreiras do admissível no grande ecrã, produzindo peças visuais de grande elaboração que tocam visceralmente aquilo que mais nos perturba, e aqueles pesadelos horríficos que não queremos confessar, num macabro digno de Edgar Allan Poe, com muito sangue e muita tortura sobre as suas divas, como o foram a esposa Daria Nicolodi, e a filha Asia Argento.
José Carlos Maltez, Fevereiro 2019.
Fontes primárias
Cinema
Suspiria (Dario Argento, 1977)
Inferno (Dario Argento, 1980)
Phenomena (Dario Argento, 1985)
Terror na Ópera (Opera, Dario Argento, 1987)
Viagem ao Inferno (La sindrome di Stendhal, Dario Argento, 1996)
O Fantasma da Ópera (Il fantasma dell’Opera, Dario Argento, 1998)
Mãe das Lágrimas: A Terceira Mãe (La terza madre, Dario Argento, 2007)
Televisão
Gli incubi di Dario Argento (RAI, 1987) [9 episódios de 3 minutos, no programa Giallo]
Fontes secundárias
Literatura
Jones, A. and Kermode, M. (2016) Dario Argento: The Man, the Myths & the Magic. Goldming, Surrey: FAB Press
Gracey, J. (2010) Dario Argento. Harpenden: Oldcastle Books
Documentários
An Eye for Horror (Leon Ferguson, 2000, CreaTVty) (https://www.youtube.com/watch?v=DljSpS4BDA4)
Outras referências
Outros filmes de terror de Dario Argento
O Pássaro com Plumas de Cristal (L'uccello dalle piume di cristallo, 1970)
O Gato das Sete (Il gatto a nove code, 1971)
Quatro Moscas de Veludo (4 mosche di velluto grigio, 1971)
O Mistério da Casa Assombrada (Profondo rosso, 1975)
Tenebre (, 1982)
Os Olhos do Diabo (Due occhi diabolici, 1990) (com George A. Romero)
Trauma (1993)
Sangue de Inocentes (Non ho sonno, 2001)
O Mestre do Jogo (Il cartaio, 2004)
Giallo - Os Reféns do Medo (Giallo, 2009)
Dracula 3D (2012)
Filmes de outros realizadores
Zombie: A Maldição dos Mortos-Vivos (Dawn of the Dead, George A Romero, 1978)
Os Demónios (Dèmoni, Lamberto Bava, 1985)
Os Demónios 2 - Um Novo Pesadelo (Dèmoni 2... l'incubo ritorna, Lamberto Bava, 1986)
A Catedral (La chiesa, Michele Soavi, 1989)
A Seita (La setta, Michele Soavi, 1991)
A Máscara de Cera (M.D.C. - Maschera di cera, Sergio Stivaletti, 1997)
Suspiria (Luca Guadagnino, 2018)