Segundo Take

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Top Gun: Maverick

No princípio dos anos 90, Tom Cruise desvalorizou a ideia de dar continuidade a Top Gun, o sucesso à escala planetária que o lançou para a estratosfera rarefeita das estrelas de Hollywood. Nessa altura, classificou o conceito de irresponsável.

A relutância de Cruise era ditada, muito possivelmente, pelo tom jingoísta e pró-militar do filme original, muito próprio dos sucessos comerciais americanos da era, servido por uma estética MTV plástica e pueril celebrizada em grande parte pelo estilo de Tony Scott, não só com Top Gun, mas também com O Caça-Polícias II e Dias de Tempestade, por exemplo.

Por volta de 2010, foi anunciada uma continuação a ser liderada novamente por Tony Scott, plano que obviamente ficou em águas de bacalhau com a morte deste. Ainda assim, o mega-produtor Jerry Bruckheimer não desistiu do projecto e manteve a chama viva.

Não obstante a relutância veiculada anteriormente pela sua estrela, em 2017, foi finalmente anunciada a sequela a ser protagonizada por Tom Cruise com o título Top Gun: Maverick, com   Joseph Kosinski apontado à realização, o que não espanta muito, pois quem segue atentamente a carreira de Cruise percebe que o actor e produtor gosta de se rodear de colaboradores de confiança, como é o caso de Christopher McQuarrie, o seu braço direito na saga Missão: Impossível, que também deu uma ajuda na escrita do argumento desta sequela.

Filmado entre 2018 e 2019, Top Gun: Maverick viu a data de estreia planeada de 26 de Junho de 2020 adiada por causa da pandemia do COVID-19. Apesar das mudanças no panorama da distribuição cinematográfica, Tom Cruise insistiu que este era um filme para ser visto na maior tela possível, tendo sido filmado parcialmente no formato IMAX. Seriam precisos quase dois anos de espera, e o filme estreou finalmente em Maio de 2022 — sendo que em Portugal estreou precisamente no dia 26 desse mês.

Top Gun: Maverick é mais uma contribuição para as incontornáveis sequelas de legado tão em voga actualmente, com o filme original a ser reconhecido e, em certa medida, refeito no novo,  funcionando também como uma sequela com direito a passagem de testemunho do elenco original a um novo grupo de actores.

No entanto, isto é verdade com uma importante excepção. Em Top Gun: Maverick, Tom Cruise continua a ser a estrela e a figura absolutamente central da acção. Aliás, arrisco-me a dizer que Top Gun: Maverick consegue a proeza de ser ao mesmo tempo um remake, uma sequela e uma celebração dos filmes de acção de antigamente, do seu lado analógico e da entrega física das estrelas que os encabeçam, com Tom Cruise a representar o ‘Último dos Moicanos’, por assim dizer, deste tipo de cinema.

Isto tudo, claro está, com a maior sofisticação técnica possível nesta altura do campeonato. E, mais não fosse, só pelas sequências aéreas, Top Gun: Maverick vale o preço do bilhete. Filmadas de forma irrepreensível em IMAX, tanto do ponto de vista da fotografia como da compreensão da acção, colocando os actores verdadeiramente no ar, com os aviões a serem pilotados por experientes pilotos da Marinha, as cenas aéreas são verdadeiramente espectaculares e de tirar o fôlego.

Estas sequências são tão boas, que condicionam o julgamento da maioria das pessoas ao filme em geral, transformado em sucesso crítico e de bilheteira contra todas as expectativas do mercado.

Mesmo ignorando a impossibilidade da juventude do sexagenário Tom Cruise (ou Maverick, se preferirem), e o argumento funcionar como uma colectânea de todas as formas como o protagonista é extraordinário — e até sendo ainda mais generoso e ignorando o elemento da recriação dos momentos-chave do filme original — o argumento que resultou das mil e uma revisões é de uma banalidade confrangedora.

Nem sequer me refiro à missão e ao seu teor neutro no capítulo geo-político, opção em linha não só com o original, mas também com o sabor dos tempos avesso a polémicas em potenciais mercados internacionais. Refiro-me a algo mais importante, tal como caracterização das personagens. Comecemos por Bradley "Rooster" Bradshaw, interpretado por Milles Teller. É certo que trazer o filho do parceiro de Maverick morto no original ancora emocionalmente o filme, mas os elementos que caracterizam Rooster são o seu bigode e propensão para tocar Great Balls of Fire em pianos de bar, tal e qual o pai, só para não termos qualquer dúvida sobre a sua filiação.

E o que dizer de Penny, o interesse amoroso de Maverick encarnado por Jennifer Connelly? Nem sequer vos adianto os meus pensamentos sobre a razão pela qual Kelly McGillis não foi convidada a voltar — aposto que pensam o mesmo que eu —, e até sou fã de Jennifer Connelly. Mas Penny é uma personagem completamente divorciada de qualquer sentido da realidade. É uma fantasia do Instagram tornada carne e osso. Lindíssima, atraente, confiante, mão solteira, dona de um bar, de um Porsche e de um veleiro, que a própria navega com destreza e suavidade, Penny apenas existe para suspirar por Maverick e lhe proporcionar a namorada de meia-idade mais cool de todos os tempos.

Atenção, não me estou a queixar do desempenho dos actores, todos eles com prestações sólidas, incluindo Jon Hamm, o rezingão comandante, ou Glen Powell, o convencido e provocador piloto. Queixo-me, sim, do desaproveitamento destas personagens num argumento banal que, incompreensivelmente, apresenta 12 candidatos à missão final para se focar num grupo de 5 ou 6 pilotos com participação efectiva na narrativa, remetendo os restantes ao papel de figurantes.

Uma exceção, e outro trunfo no que concerne aos elementos de legado, é a bonita homenagem a Val Kilmer e à sua personagem Iceman, elemento imprescindível à trama e ao centro emocional do filme.

Tom Cruise é provavelmente uma das últimas estrelas de Hollywood, um actor que, polémicas pessoais à parte, se entrega de corpo e alma aos seus projectos, capturando o maior realismo possível em frente às câmaras num acto de resistência à hiper-digitalização do cinema comercial norte-americano da actualidade, e Top Gun: Maverick é mais uma celebração do seu brilho, um objecto tecnicamente irrepreensível e tão polido que não pode deixar de espantar, tal como não pode ser encarado à luz de nenhum semblante de verosimilhança.

Contas feitas, não obstante as suas muitas fraquezas, que o tempo e o esfriar do entusiasmo certamente revelarão, é um sólido entretenimento cuja recusa ao lançamento em serviços de streaming e subsequente sucesso nas salas de cinema ainda vai dando algum alento e esperança no futuro desta nossa paixão que é a sétima-arte. Não se esqueçam é de cerrar os olhos e esperar pelo melhor sempre que os aviões se preparam para aterrar.