Segundo Take

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Sincrónico

Uma das vítimas da pandemia, no que às estreias em cinema em Portugal diz respeito, foi Sincrónico, o mais recente filme da dupla Aaron Moorhead / Justin Benson. Apontado para estrear algures no fim do ano passado, vai finalmente chegar às salas portuguesas a 3 de Junho.

Recordo que Aaron Moorhead e Justin Benson formam uma equipa normalmente responsável por uma infinidade de tarefas em intrigantes filmes independentes que gravitam entre a ficção científica e o terror. Normalmente, individualmente ou em conjunto, são responsáveis pelo argumento, realização, fotografia e edição dos seus filmes, isto quando não interpretam também os principais papeis. No episódio 158 do podcast falei de Resolução Macabra, a estreia da dupla em 2012, e de O Interminável, filme que chegou ao MOTELX em 2017 e lhes deu alguma projecção internacional. Pelo meio, realizaram ainda em 2014 Spring, curioso romance de ficção científica. Sincrónico, interpretado por Anthony Mackie e Jamie Dornan, dois actores com a sua quota parte de popularidade, apresenta-se como um passo da dupla em direcção ao grande público.

Steve (Anthony Mackie) e Dennis (Jamie Dornan) são amigos de longa data e colegas paramédicos. Steve tem uma vida livre de obrigações, saltitando entre romances casuais. Dennis, casado e com uma filha adolescente, foi novamente pai recentemente. No turno da noite, começam a deparar-se com mortes estranhas e pessoas num estado de consciência alterada. Pelas embalagens abandonadas nos locais, descobrem que estes casos estão relacionados com uma droga sintética apelidado de “Synchronic”. Entretanto, Steve descobre que só tem algumas semanas de vida, e, na sequência do desaparecimento da filha adolescente de Dennis num caso relacionado com a droga, Steve ingere um comprimido de “Synchronic”, descobrindo que esta funciona como um meio para viajar no tempo, dentro de parâmetros e regras muito específicas. Dada a sua condição de saúde, Steve decide estudar uma forma de usar a droga para tentar encontrar e trazer de volta a filha desaparecida do colega.

Como é evidente na minha tentativa sofrível de sinopse, Sincrónico é mais uma obra de Moorhead e Benson com um elevado conceito que se propõe a confundir e a surpreender a audiência. O maior trunfo da dupla volta a ser a construção de um ambiente atmosférico que, com a ajuda de uma cena de abertura intrigante, nos coloca imediatamente num estado de alerta e curiosidade, sem quaisquer pontos de referência que ajudem a compreender que tipo de filme estamos a ver. Acções mundanas revestem-se de uma ameaça que, tal como nos filmes anteriores, coloca-nos nas fronteiras do domínio do terror, de mão firmemente dada com a ficção científica. Perante a dupla de paramédicos e a predominância de cenas noturnas, é impossível não nos recordarmos de Por Um Fio, título subvalorizado de Martin Scorcese com Nicolas Cage, no entanto estamos muito longe da introspecção daquele título. Quando a mecânica da narrativa entra finalmente em acção, apresenta-nos um mistério envolvendo viagens no tempo pontuado por comentários sociais e raciais com a ambição a ser também um estudo de personalidades sobre dois amigos em processo de reflexão sobre a realidade das suas vidas, por comparação com os sonhos e expectativas sobre o que estas seriam que tinham quando eram mais novos. 

Infelizmente, e apesar da aproximação ao mainstream, o que se torna evidente é que este é o esforço menos cozinhado da dupla, com a maioria das culpas a residirem num argumento de Justin Benson que mais parece uma primeira versão levada ao ecrã sem qualquer revisão ou melhoramento. Sinal disso mesmo é a caracterização superficial das personagens, com Steve definido por cobiçar a vida familiar de Dennis, e este, por seu lado, por invejar a liberdade do amigo solteiro. Se os frouxos diálogos não oferecem verosimilhança ou nuances às suas vidas interiores, o facto de os dois homens serem afastados um do outro numa grande fatia da narrativa impede que a sua amizade de longa data se manifeste de forma sólida e credível. Além disso, os amigos paramédicos parecem assombrar a noite de uma Nova Orleães fantasmagoricamente desabitada, não por uma qualquer escolha artística, mas por manifesta magreza do orçamento. Sobra o original conceito da viagem temporal, que explora a possibilidade do tempo não ser linear, o que oferece uma perspectiva refrescante a um tema mais que repisado. Steve consegue viajar no tempo por via de mais uma habilidade do argumento que não só aproveita a sua doença como a chave da deslocação temporal como o sustento do núcleo emocional da narrativa. Se a viagem no tempo é explicada em demasia em cenas de exposição artificialmente construídas, retirando algum do mistério e da surpresa, e sem que tais explicações garantam, ainda assim, que tudo faça perfeito sentido, são estas cenas que providenciam alguma emoção a Sincrónico, não obstante o tratamento  demasiado simplista dos episódios históricos que podemos testemunhar, nomeadamente no tal comentário racial que referi, no limiar da condescendência.

Depois de O Interminável, Sincrónico é um nítido passo atrás para Aaron Moorhead e Justin Benson, mas não é suficiente para descarrilar o futuro da dupla. Há uma nítida visão na forma como concretizam as suas ideias e ainda muita promessa para o que podem fazer mais à frente, continuando, na minha opinião, como duas das mais interessantes vozes da ficção científica recente. É só preciso que não se precipitem e comecem a prestar mais atenção ao desenvolvimento das suas originais ideias e à escrita antes de começarem a filmar.