Episódio #4 - 007 Spectre / Retrospectiva James Bond
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Este ano, em antecipação à estreia de Spectre, revi por ordem cronológica todos os filmes do James Bond. Foi uma experiência muito interessante pois permitiu-me reavaliar as minhas percepções sobre a série colocando em causa algumas das minhas convicções anteriores. Por exemplo: julgava gostar de 007 - O Homem da Pistola Dourada e afinal este é um dos piores filmes da saga. Pensava que Sean Connery era o meu James Bond de eleição e, apesar do humor gratuito e da qualidade inferior de alguns filmes, apreciei muito mais a abordagem de Roger Moore no papel do espião charmoso e sedutor.
Houve, no entanto, algumas confirmações, sendo que a mais evidente é a de que o reboot da série com o Daniel Craig providenciou-nos, em três entradas, dois dos melhores filmes do agente secreto até à data. Se bem que Skyfall não está, na minha opinião, à altura de Casino Royale, não deixa no entanto de aprofundar a psicologia de James Bond, confrontando-o com questões de lealdade, dever, envelhecimento, morte e perda. Apesar das ameaças a nível mundial do passado nunca tanto esteve em jogo do ponto de vista da vida interior do personagem como agora.
Spectre começa por funcionar como uma cristalização do retorno aos elementos familiares da série. Depois do minimalismo de Casino Royale a série tem recuperado ao longo dos filmes posteriores, alguns dos elementos que tinham sido descartados e Spectre parece finalmente abraçá-los com convicção e verve. A famosa cena do disparo na direcção da câmara está de volta ao início do filme, bem como os aliados do costume: um M novamente masculino, Moneypenny ou mesmo Q enquanto elemento humorístico. De volta, também, estão os gadgets, nas formas de automóvel e de relógio. Curiosamente, tudo coisas que me constrangiam no passado, mas que nesta encarnação funcionam muito bem para mim.
Depois este é um filme muito referencial: o próprio genérico vinca a relação com os capítulos anteriores, que se vem a revelar mais à frente. Mas não só. Temos uma cena num combóio que faz lembrar 007 - Ordem Para Matar. A clínica austríaca é reminescente de 007 - Ao Serviço de Sua Majestade. E por certo outras referências que me terão escapado. Mesmo a qualidade do green screen na cena do helicóptero da sequência inicial parece uma referência aos primeiros filmes da série onde se notava muito o contraste. Resta saber se neste caso é defeito ou feitio.
Todos estes elementos tiveram um efeito perverso. Por um lado senti um enorme entusiasmo com elementos que no passado me fariam revirar os olhos. Por outro lado esse entusiasmo fez-me perceber que tenho saudades do universo James Bond quando o mundo era um pouco menos cinzento. Passo a explicar: percebo as ansiedades do novo milénio, e a verosimilhança da ameaça global actual retratada nesta incarnação da série. Mas tenho saudades do James Bond em missão sem o peso na consciência nem o custo pessoal permanente destas narrativas. O que começou por ser refrescante em Casino Royale tornou-se habitual e repetitivo. O arco de James Bond tem sido sempre o mesmo: dado como acabado e/ou descontrolado no início do filme e com a confiança dos seus superiores recuperada no final depois de provado que estava no encalço da pista certa.
Não vou aqui estragar as revelações do filme mas, desde que a personagem de Christoph Waltz (Oberhausen) entra em cena o filme entra em declínio. Além da natureza “expositora”, e de uma cena desconfortável de tortura, esta personagem não parece materializar a ameaça que é suposto representar. Além de que o argumento constrói veleidades por parte do James Bond para forçar determinadas cenas e consequências mais à frente. Vamos ser honestos. Será emocionante um filme com um clímax que usa um dilema à lá Spider-Man num jogo das escondidas forçado entrecortado com uma corrida contra o tempo para impedir um software de entrar em produção? Não me parece.