Episódio #16 - The X-Files - Ficheiros Secretos
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Foi por alturas de 1995 que o mundo mudou. O meu mundo, pelo menos. Após duas temporadas com um impacto discreto, mas em crescendo constante de popularidade, os Ficheiros Secretos - nome português para a série The X-Files - ía chegar à sua 3ª temporada. A série que lidava com o sobrenatural, o fenómeno dos objectos voadores não identificados e as teorias da conspiração estava a começar a permear a consciência colectiva, muito por culpa da química dos actores principais, David Duchovny e Gillian Anderson nos papéis do crente Fox Mulder e da céptica Dana Scully, bem como dos argumentos fantásticos mas sempre ancorados na corda bamba da verosimilhança, confrontando a vontade de se acreditar no inexplicável com a realidade do que é cientificamente comprovável.
A TVI anuncia a reposição das duas primeiras temporadas a um ritmo de dois episódios por semana, no horário nobre dos serões de sexta-feira, em antecipação dessa estreia. Há aqui vários elementos que situam indiscutivelmente esta história no seu tempo. A saber: haver expectativa e antecipação para a estreia de uma série televisiva; a TVI exibir uma série de qualidade num horário nobre; o facto de que, começando aqui, e durante anos, passei os serões de sexta-feira a gravar os episódios em VHS de forma religiosa, editando ao vivo os intervalos, numa operação que fazia disparar os níveis de stress para números perigosos; e o facto de que a minha vida social numa sexta-feira à noite se resumia a gravar episódios dos Ficheiros Secretos.
É neste momento que recebo orgulhosamente o meu crachá de nerd certificado. Com uma média de quatro episódios por cassete de duzentos e quarenta minutos, imprimia depois capas com a sinopse de cada episódio num fundo negro que fez correr litros de tinta para fora dos tinteiros da impressora e mãos-cheias de mesadas para fora da carteira. Os Ficheiros Secretos eram um evento, sendo tema de conversa nos círculos de colegas na segunda-feira posterior a cada exibição, cada novo episódio analisado, escrutinado e discutido com paixão.
Em retrospectiva sempre fui maior fã dos episódios monstros-da-semana mas reconheço que parte do apelo da série residia no elemento conspiratório, tanto da caracterização de Mulder, como dos episódios de mitologia. Por alturas da temporada sete o interesse deixou de ser regular e, pouco tempo depois, apareceram na Amazon inglesa as box-sets da série em DVD e, apesar do preço exorbitante na altura, fui substituindo as caseiras VHS por estas edições. Foi precisamente até à temporada sete que me levou o apreço pela série tendo rompido com esta definitivamente com a saída de David Duchovny do elenco regular, na temporada oito. E, por saber previamente desta saída, até hoje nunca vi o último episódio da temporada sete em que lidavam na narrativa fictícia com este facto.
Mas estou-me a adiantar. Em 1998 é lançado nos cinemas o filme Ficheiros Secretos, também conhecido pelo seu subtítulo, Fight The Future, no original. Este é um filme que nasceu com um caderno de encargos difícil. O seu objectivo era fazer a ponte entre as temporadas cinco e seis da série televisiva lidando com os elementos da conspiração extraterrestre dos episódios de mitologia e, ao mesmo tempo, servindo como uma narrativa de duas horas para o espectador casual sem conhecimento prévio das personagens, ou mesmo dos Ficheiros Secretos. Na minha opinião o primeiro objectivo foi perfeitamente atingido, sendo que o sucesso do segundo é discutível. Nunca o poderia experimentar sem o conhecimento da série mas fazendo o exercício parece-me difícil a narrativa ser completamente envolvente para o espectador casual.
É relevante compreender que, por esta altura, os episódios de mitologia começavam a sofrer alguma repercussão negativa. Não sendo os meus favoritos nunca tive, no entanto, nada contra estes episódios. A sua natureza aberta gerava alguma insatisfação pois a mitologia alimentava uma série de mistérios de forma recorrente com mais perguntas do que respostas, abrindo o caminho a futuras séries de arco narrativo de temporadas inteiras. Mas no final dos anos noventa esta era a excepção e não a norma.
Ao rever Ficheiros Secretos, o filme, o que surpreende imediatamente é como envelheceu bem. Arrisco-me a dizer que é melhor do que me lembrava, provavelmente fruto do recalibrar das expectativas, sem dúvida elevadíssimas na altura. Escrito por Chris Carter e Frank Spotnitz e realizado por Rob Bowman, algumas das mais importantes forças criativas por trás da série, é consistente na caracterização de Mulder e Scully e no retomar de algumas narrativas conhecidas: o sindicato, o óleo alienígena ou o fim do departamento dos ficheiros secretos. Há verdadeiro trabalho investigativo do par de agentes e até pequenos elementos bem doseados de monstro-da-semana. No final há perguntas que são respondidas e outras que são colocadas, bem ao jeito do que a série nos habituou.
Não sendo um trabalho de excepção é sem dúvida um bom filme para os fãs, não se limitando a ser um episódio exibido em grande formato. A escala é ampliada, tanto ao nível dos cenários como do âmbito da narrativa, e o resultado final justifica a linguagem cinematográfica. 1998 era uma boa altura para se ser fã dos Ficheiros Secretos. Série de TV, sólido filme, e a promessa de mais e melhor ainda por vir...
Quando os Ficheiros Secretos voltaram ao cinema em 2008 com Quero Acreditar tinha passado uma década do auge da série televisiva e seis anos do seu cancelamento. Esta parecia a oportunidade perfeita de trazer de volta a magia original. Um filme à margem da novela da conspiração que ajudou a afastar as pessoas da série, com o elenco original, escrito e realizado pelo criador da série: Chris Carter. O que poderia correr mal? Bem, tudo aparentemente, levando muita gente a especular que o sucesso dos Ficheiros Secretos foi resultado mais da equipa criativa com que se rodeou, do que da própria orientação do seu criador e showrunner. Aliás, esta discussão foi agora reacendida após o primeiro episódio do regresso da série à televisão, na semana passada. Quem escreveu e realizou? Adivinharam: Chris Carter, novamente.
O que se terá passado nas últimas temporadas, depois de ter desistido de acompanhar novos episódios? Em Quero Acreditar encontramos Mulder e Scully como um casal, numa traição a um elemento recorrente de toda a série, o da atracção platónica entre a dupla de protagonistas, nunca traduzindo o que sentiam um pelo outro numa relação física. Passado este choque deparamos-nos com uma tentativa de Carter em explorar temas caros aos personagens, como a vontade de acreditar no extraordinário de Mulder e a crise de fé de Scully.
O problema é que esta exploração precisa de uma boa história à volta e uma narrativa emocionante e envolvente. Quero Acreditar é frio, literalmente e metaforicamente. Está mais interessado no ex-padre pedófilo pelo McGuffin narrativo dos seus supostos poderes psíquicos, e no resultado dos mesmos na crença, ou falta dela, de Mulder e Scully, que se esquece das vítimas, ou mesmo dos vilões do filme, rostos incógnitos com motivações e destinos obscuros, não porque são misteriosos mas porque estão mal escritos.
Uma desilusão e uma oportunidade perdida que parecia ter acabado por si só a possibilidade de vermos mais Ficheiros Secretos no futuro.
Mas a verdade é que aqui estamos nós com seis novos episódios de Ficheiros Secretos, para já. Talvez porque o mundo esteja novamente a precisar de desconfiar dos seus líderes. Talvez porque a tecnologia tenha sublimado os medos para os quais Mulder nos alertava no princípio dos anos noventa. Ou talvez porque alguém no escritório da FOX se tenha apercebido que, no final de contas, pode ser que este regresso lhes seja rentável, quem sabe?
Após dois dos novos episódios tenho de confessar que alguma da magia retornou para mim. Sim, eu sei que o primeiro episódio, My Struggle, pareceu uma declaração de intenções ansiosa do ser criador e mentor. Mas o segundo episódio, Founder's Mutation, escrito e realizado por James Wong, que com Glenn Morgan escreveu alguns dos melhores episódios da série, foi uma boa mistura de monstro-da-semana com pinceladas de elementos de mitologia e, de repente, estava de novo envolvido com este universo. A limitação do número de episódios obrigou a alguma compressão narrativa. Depois do acelerado e expositório primeiro episódio, saltámos para uma realidade no segundo episódio onde parecia faltar alguma coisa pelo meio. Por outro lado, se o resultado forem sólidos episódios isolados, venham eles, e com eles novamente memoráveis mistérios e conspirações.