Batman v Super-Homem: Retrospectiva [2005 - 2012]
Em antecipação à estreia de Batman v Super-Homem: O Despertar da Justiça vou fazer uma retrospectiva das sagas cinéfilas dos dois super-heróis, começando no Super-Homem de Christopher Reeve e passando pelas interpretações do Batman de Burton e Nolan.
[2005 - 2012] O reinado de Nolan e a importância do tom
Em 1997 Batman & Robin matou a franchise iniciada por Tim Burton oito anos antes. Durante outros oito anos vários projectos falharam na tentativa de trazer o Homem Morcego de volta ao grande ecrã. O que seria o próximo filme de Joel Schumacher, Batman Triumphant, foi cancelado. Batman: DarKnight, proposto por Lee Shapiro e Stephen Wise, tal como Batman Beyond, escrito por Paul Dini, Neal Stephenson e Boaz Yakin nunca ganharam asas. Os dois projectos que estiveram mais perto de trazer o super-herói de volta foram Batman: Year One, pela mão de Darren Arronofsky e do próprio Frank Miller, e a primeira tentativa de colocar o Cavaleiro das Trevas contra o Homem de Aço em Batman vs. Superman, a ser realizado por Wolfgang Peterson segundo argumento de Akiva Goldsman, a quem temos de agradecer os dois Batman realizados por Schumacher. Se a versão de Arronofsky é material para juntar às lendas das grandes ideias nunca concretizadas, já a de Peterson, possivelmente, teve o melhor desfecho possível. Este historial seria lamentável, não fosse o que veio a seguir.
Christopher Nolan e David S. Goyer, argumentista da trilogia do Blade (e realizador do terceiro capítulo, mas nós perdoamos-lhe), desenvolvem um reboot da série e voltam a contar as origens de Batman. A visão de Nolan é a de um justiceiro numa Gotham verosímil e realista, num universo mais próximo do nosso do que do fantástico da BD. O tom é sério e grave e Batman - O Início, estreado em 2005, é um filme não linear que enraíza as decisões de Bruce Wayne, interpretado por Christian Bale, como sequência de uma exploração da sua alma e do seu destino, justifica as suas capacidades físicas no treino recebido por uma personagem misteriosa no oriente, Rha's al Ghul, interpretado por Liam Neeson, e enquadra a capacidade financeira e tecnológica dos seus gadgets numa divisão da sua própria empresa liderada pelo aliado Lucius Fox, o sempre fiável Morgan Freeman. Sofrendo dos males de um filme que tem de contar a origem do super-herói é, no entanto, uma obra de uma consistência e qualidade imbatível e, se não mudou o mundo quando estreou é um filme que melhora com repetidas visualizações e foi a base sólida para a obra-prima que viria a seguir.
O Super-Homem ainda levou mais tempo do que Batman a levantar voo. Durante dezanove anos foram muitos os projectos, argumentistas e realizadores que tentaram recapturar a magia do filme de Richard Donner. Depois do fracasso do quarto capítulo em 1987 foi cancelado o projecto da Cannon para Superman V a ser realizado pelo rei das cassetes VHS de pancadaria Albert Pyun. Os direitos da personagem reverteram então para os Salkind que queriam produzir um reboot, Superman: The New Movie. Em 1993 a Warner Bros. adquire novamente os direitos e, pela mão do excêntrico produtor Jon Peters, que tinha produzido o Batman de 1989 de Tim Burton, pretende adaptar a história da banda desenhada, recente na altura, da morte do Super-Homem. Superman Reborn seria o título e depois de dois argumentistas e outros tantos argumentos rejeitados entra em cena Kevin Smith que reescreve a história e muda o título para Superman Lives. Aqui começa uma história fascinante que pode ser acompanhada no documentário de 2015 The Death of "Superman Lives": What Happened? de John Schnepp. Seguindo a sugestão de Smith Tim Burton é o realizador escolhido e este recruta Nicolas Cage para aquela que seria uma visão radicalmente diferente da personagem. O argumento passa por mais dois argumentistas, Wesley Strick e Dan GIlroy, e entra em pré-produção. Os esboços da direcção de arte, bem como os testes de guarda-roupa e de efeitos especiais que são efectuados podem ser vistos no documentário de Schnepp, o que recomendo vivamente. Esta seria indubitavelmente uma visão única e maravilhosa ou um dos maiores desastres produzidos pela Warner Bros. Nunca o saberemos. Depois do cancelamento deste projecto haveria ainda a tentativa de produzir Batman vs. Superman, que referi anteriormente, e Superman: Flyby, um argumento de J.J. Abrams que foi considerado, antes de Bryan Singer pegar nas rédeas do projecto.
Chegamos finalmente a 2006, um ano depois da revitalização de Batman por Christopher Nolan. Bryan Singer leva a bom porto Super-Homem: O Regresso onde se propõe a ignorar os capítulos três e quatro e a continuar o legado de Richard Donner oferecendo uma continuação directa do segundo capítulo - foi por esta altura também que vimos ser editado em DVD a versão de Donner de Superman II - restaurado a partir das suas filmagens, complementado com algum material filmado por Richard Lester e até por testes de câmara! A reverência de Singer é o seu maior trunfo e o seu maior defeito. A seriedade que funcionou tão bem para o Homem Morcego não caiu bem ao Super-Homem numa abordagem existencialista da personagem que alienou fãs e críticos. Esta abordagem não é ajudada pela economia de cenas de acção e o resultado é um filme pouco memorável, que recambiou Singer para o universo dos X-Men, da rival Marvel.
O Cavaleiro das Trevas, o segundo capítulo da visão de Christopher Nolan para o Batman estreado em 2008, é um filme memorável por variadas razões. A primeira prende-se inevitavelmente com a morte antes da estreia do filme do jovem protagonista do Joker, Heath Ledger. O choque da notícia foi substituído pela expectativa da qualidade da sua performance que antecedeu a estreia. Apesar disso o sucesso do filme deveu-se ao facto de que conseguiu exceder as expectativas mais optimistas. E este é outro dos factores que fazem deste memorável: é um filme quase perfeito, variação super-herói de um filme policial ao estilo Michael Mann que consegue ser tenso, imprevisível e emocionante. Este é o resultado de um argumento que junta a Christopher Nolan e David S. Goyer o nome de Jonathan Nolan, na exporação dos temas da natureza caótica do mal puro, dos ideais do poder, e de como este pode ser corrompido, do valor do compromisso, e do custo das escolhas na perseguição da justiça. O Cavaleiro das Trevas está, ainda mais que o filme anterior, enraizado num universo verosímil e definiu o template de futuras adaptações de banda desenhada, no tom e na medida em que provou que o material pode ser respeitado e tratado de forma séria sendo ao mesmo tempo um sucesso à escala global. É também digna de nota a cristalização da colaboração entre Nolan e o compositor Hans Zimmer que cria em O Cavaleiro das Trevas uma banda-sonora atípica, em linha com o filme anterior mas que aqui se demonstrou como realmente memorável e indissociável da imagem actual do Homem Morcego, com temas marcantes e percussivos, pavimentando também o caminho onde navegam muitos dos seguidores que compõem música para filmes de acção hoje em dia.
O Cavaleiro das Trevas Renasce concluiu em 2012 a trilogia de Christopher Nolan. Repetindo a equipa de argumentistas do filme anterior é, infelizmente, um passo atrás neste departamento, acabando por sofrer com a quantidade de elementos e personagens introduzidos e com algumas das opções narrativas. É um filme ambicioso, que pretende concluir dramaticamente as narrativas anteriores, mas que verga sobre o próprio peso e toma liberdades no departamento da verosimilhança que acabam por deixar um ligeiro amargo de boca. Não haja dúvida: O Cavaleiro das Trevas Renasce é um bom filme, mas é uma versão menor do que veio antes dele, acabando por ceder às necessidades do marketing, abrindo portas para a possível exploração futura do franchise. Exemplo disto é a introdução da personagem de Blake que tem uma revelação final que contraria a mitologia da banda desenhada, desperdiçando uma referência que desagradou aos fãs, apenas pelo potencial que semeia. Apesar das presenças fortes de Bane (Tom Hardy) e Catwoman (Anne Hathaway), O Cavaleiro das Trevas Renasce encerra com uma mão algo pesada uma trilogia que tem o seu momento maior no capítulo central, não conseguindo reproduzir a elegância e o pathos daquele, mas deixando, mesmo assim, a sensação de que Christopher Nolan sai em grande e deixa um legado que influenciou grande parte do entretenimento produzido em Hollywood nos dias de hoje.
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