Prisioneiros do tempo real
Este texto foi publicado originalmente na Take Cinema Magazine dia 18 de julho de 2016 com o título Victoria e pode ser lido na íntegra aqui.
Estreou a semana passada em três singelas salas de cinema de todo o país o filme Victoria, do alemão Sebastian Schipper. Esperava com entusiasmo esta estreia pois o filme vinha bem referenciado por algumas das minhas fontes de informação cinéfila de confiança. A estreia em apenas três salas de cinema parece-me falar mais da fraca diversidade de oferta do nosso mercado do que da qualidade do filme, mas esta discussão fica para outra altura.
Falar de Victoria é falar, em primeiro lugar, da sua execução. Este é um filme rodado num único plano sequência ininterrupto e a proposta de testemunhar tal feito parecia-me irresistível. Quando vi o filme e este revelou estar aquém das expectativas hesitei. Há um maior risco de parcialidade quando as nossas críticas são negativas, além de que é mais difícil ser-se construtivo nestes casos. Espero, mesmo assim, proporcionar uma análise construtiva através dum equilíbrio entre os aspectos positivos e os aspectos negativos da experiência.
Victoria é uma rapariga espanhola a viver em Berlim. Ao sair de uma discoteca por volta das 4 horas da manhã conhece quatro jovens que foram barrados à entrada da discoteca e que a convidam para dar um passeio pela cidade. Contar mais seria injusto. Parte do efeito do plano sequência é a inevitabilidade de acompanhar incondicionalmente as personagens em tempo real, logo qualquer convenção ou expectativa narrativa é anulada pelo dispositivo. Há um verdadeiro sentimento de descoberta e de que tudo pode acontecer enquanto seguimos Victoria, e o grupo de rapazes, pelas ruas de Berlim, entrando em lojas noturnas, prédios, elevadores, carros, subindo a telhados, ou descendo a parques de estacionamento subterrâneos. Há uma logística inimaginável por trás de Victoria e é com incredulidade que se assiste ao seu desenrolar. São duas horas e um quarto sem interrupções conseguidas ao terceiro take, e depois de muitos ensaios em períodos de 10 minutos de cada vez.
A proeza técnica é inegável. O problema é que não serve um bom filme. Os diálogos, que parecem improvisados na sua maioria, são desinteressantes e inconsequentes. As personagens são desagradáveis e as suas acções inverosímeis e imorais. Sendo que temos de as acompanhar sem interrupção, à falta de empatia, pedia-se um ponto de vista ou finalidade nos seus actos, mas estes estão ausentes. O efeito que se instala é de ressentimento pois encontramo-nos reféns da narrativa e em má companhia. Qualquer tensão sentida não é por desígnio do autor, mas por vontade que a fita termine. Também não ajuda o facto de que, dada a natureza do plano sequência, o filme é omisso no capítulo estético, não havendo propriamente nenhuma ideia de cinema na sua composição.
Tenho a certeza que qualquer making of deste filme será fascinante. A dimensão do empreendimento é impressionante e o facto de o terem conseguido à terceira tentativa é digna de nota. O que não devia acontecer é estarmos ocupados a pensar na logística das filmagens enquanto vimos o filme pela razão de que esta é infinitamente mais interessante do que qualquer coisa que se esteja a passar no ecrã. Na minha opinião o plano sequência é uma quimera que se encerra em si própria se não nascer ao serviço do filme, ao invés de ser uma premissa sobre o qual o mesmo assenta. Vejam Os Filhos do Homem, de Alfonso Cuarón, onde o dispositivo é usado em dois ou três momentos chave. Só depois de estes acabarem, ou mesmo numa segunda visualização, é que nos apercebemos que estivemos encerrados nas cenas com as personagens, totalmente imersos na acção, consequência da técnica correctamente utilizada. Em suma, Victoria é um filme intrigante, uma experiência rara, mas, em última instância, uma desilusão.
Não percam também as minhas divagações sobre este filme no episódio #39 do podcast Segundo Take.
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