A espionagem de acção de Robert Ludlum
Nesta edição de Universos Paralelos, um programa da autoria de António Araújo (Segundo Take), José Carlos Maltez (A Janela Encantada) e Tomás Agostinho (Imaginauta), que podem encontrar em http://www.segundotake.com/podcast/2019/1/27/episodio169, entramos no mundo da espionagem internacional pela mão de Robert Ludlum e da sua mais conhecida criação: Jason Bourne, celebrizado no cinema por Matt Damon.
Robert Ludlum (1927-2001) foi um escritor norte-americano que se habituou a coleccionar best-sellers, escrevendo num domínio específico já com provas dadas e nomes de referência com os quais teve de passar a ombrear. Esse domínio é o thriller de espionagem com fortes componentes de suspense e acção no qual Ludlum nos deixou vinte e sete títulos (três deles escritos sob pseudónimos: Jonathan Ryder e Michael Shepherd), com a curiosidade de que os seus mais bem sucedidos e conhecidos livros – a trilogia Bourne – ter sido continuada após a sua morte pelo escritor Eric Van Lustbader que já conta com mais onze títulos em seu nome.
Ao contrário do que acontecera com Ian Fleming, Graham Greene e John Le Carré – três dos mais celebrados escritores de romances de espionagem – Robert Ludlum nunca trabalhou para qualquer agência de serviços secretos nem esteve ligado profissionalmente ao mundo da espionagem ou política internacional. Licenciado em artes dramáticas, Ludlum produziu e actuou em palco, retirando dessa experiência muito daquilo que viria a ser a marca da sua escrita. Se Fleming era mais fantasista, Greene e Le Carré mais cerebrais, e Tom Clancy mais técnico, Ludlum decidiu que a sua escrita seria mais directa, agarrando o leitor pelo suspense criado situação a situação, e descrevendo cada sequência com um detalhe que podemos considerar cinemático, dada a forma como a visão e atenção do narrador lembra a do espectador de cinema naquilo que lhe é dado a observar em cada momento.
E se essa forma de escrita, simples e apelativa ao grande público, lhe começou a trazer sucessos uns atrás dos outros, foi a trilogia Bourne que o imortalizou, iniciando-se no livro The Bourne Identity (1980), a que se seguiriam The Bourne Supremacy (1986) e The Bourne Ultimatum (1990). O potencial cinemático – para além do conseguido sucesso – destes livros levou à transposição do meio escrito para o filmado, com uma mini-série televisiva de dois episódios, baseada no primeiro livro da trilogia, a surgir em 1988, realizada por Roger Young para a Warner Bros. Television, com Richard Chamberlain no papel de Jason Bourne. Mais comedidos em termos de acção, e bastante fiéis à história original, estes episódios passaram algo despercebidos e não faziam prever o sucesso que seria a passagem ao cinema, começada com Identidade Desconhecida (Doug Liman, 2002), protagonizado por Matt Damon, que passou a ser – para todos os efeitos – o rosto que o mundo identifica como Jason Bourne.
Como uma lufada de ar fresco no cinema de acção, Identidade Desconhecida trazia-nos um herói que não só nós não conhecíamos, como, devido a uma crise de amnésia, não se conhecia a si próprio. Na ânsia de saber quem era, porque tinha tantas habilidades perigosas, e o que o motivara a cometer as atrocidades que lhe eram atribuídas, Bourne vai cavalgar uma montanha-russa de confrontos, fugas, descobertas e situações cada vez mais arriscadas, num registo intenso e bastante físico que viria, inclusivamente, a redireccionar a saga 007 – Casino Royale, o primeiro filme com Daniel Craig, surge em 2006, com fortes influências do modo de filmar a saga Bourne.
Seguiram-se, como não podia deixar de ser, os outros dois títulos da saga, Supremacia (2004) e Ultimato (2007) ambos realizados por Paul Greengrass, e sempre com Matt Damon no papel de Bourne. E se os filmes pouco já deviam aos livros (além do título e do protagonista), estes, um pouco à luz do que tem acontecido na saga 007, destacavam-se pelo adaptar das histórias ao momento contemporâneo, espelhando preocupações como o são o terrorismo internacional, a vigilância global, a manipulação genética e a privacidade na era das redes sociais.
Já sem Greengrass nem Damon, a Universal Pictures insistiu em O Legado de Bourne (2012), realizado por Tony Gilroy – o argumentista dos três filmes anteriores, e deste também. Sem Jason Bourne na história, esta é protagonizada por Jeremy Renner e passa-se em paralelo com eventos dos outros filmes – alguns dos quais nos chegam em fundo. A decepção comercial do filme levou a um arrepiar de caminho, e, numa tentativa de colocar o comboio nos carris, surgiu Jason Bourne (2016), de novo de Paul Greengrass, e com um Matt Damon visivelmente mais velho a regressar para mais alguns saltos, murros, tiros e cambalhotas.
Depois de os títulos se terem emancipado de Robert Ludlum, com Eric Van Lustbader a continuar as publicações (está anunciado o seu décimo segundo título para 2019), e depois de a saga cinematográfica se ter emancipado da literária, assumindo os títulos, mas divergindo nas histórias, irão os filmes emancipar-se de Matt Damon, ou mesmo da sua personagem, tornando-o apenas um nome-código, como acontece nos filmes da saga 007? Parece que a história ainda não acabou e poderá ter novos episódios. Como e com quem? É algo que teremos de esperar para descobrir, quase com um suspense digno de Robert Ludlum.
José Carlos Maltez, Janeiro de 2019.
Fontes primárias
Literatura
Ludlum, R. (1980) The Bourne Identity. Nova Iorque, NY: Richard Marek. [ed. portuguesa por Publicações Europa-América]
Ludlum, R. (1986) The Bourne Supremacy. Nova Iorque, NY: Random House. [ed. portuguesa por Publicações Europa-América]
Ludlum, R. (1990) The Bourne Ultimatum. Nova Iorque, NY: Random House. [ed. portuguesa por Publicações Europa-América]
Lustbader, E. V. (2004) The Bourne Legacy. Nova Iorque, NY: St. Martin’s Press
Lustbader, E. V. (2007) The Bourne Betrayal. Nova Iorque, NY: Grand Central Publishing
Lustbader, E. V. (2008) The Bourne Sanction. Nova Iorque, NY: St. Martin’s Press
Lustbader, E. V. (2009) The Bourne Deception. Nova Iorque, NY: St. Martin’s Press
Lustbader, E. V. (2010) The Bourne Objective. Nova Iorque, NY: St. Martin’s Press
Lustbader, E. V. (2011) The Bourne Dominion. Nova Iorque, NY: St. Martin’s Press
Lustbader, E. V. (2012) The Bourne Imperative. Nova Iorque, NY: St. Martin’s Press
Lustbader, E. V. (2013) The Bourne Retribution. Nova Iorque, NY: St. Martin’s Press
Lustbader, E. V. (2014) The Bourne Ascendancy. Nova Iorque, NY: St. Martin’s Press
Lustbader, E. V. (2016) The Bourne Enigma. Nova Iorque, NY: St. Martin’s Press
Lustbader, E. V. (2017) The Bourne Initiative. Nova Iorque, NY: St. Martin’s Press
Lustbader, E. V. (2019) The Bourne Nemesis. [por publicar]
Televisão
The Bourne Identity (Roger Young, 1988)
Cinema
Identidade Desconhecida (The Bourne Identity, Doug Liman, 2002)
Supremacia (The Bourne Supremacy, Paul Greengrass, 2004)
Ultimato (The Bourne Ultimatum, Paul Greengrass, 2007)
O Legado de Bourne (The Bourne Legacy, Tony Gilroy, 2012)
Jason Bourne (Paul Greengrass, 2016)
Fontes secundárias
Literatura
Macdonald, G. (1980) Robert Ludlum : a critical companion. Westport, CT: Greenwood Press