Hunted
Vincent Paronnaud é um artista com origem na banda desenhada mais conhecido pela colaboração com Marjane Satrapi de 2007 Persépolis (Persepolis), parceria que se repetiria quatro anos depois com o mais discreto Galinha com Ameixas (Poulet aux prunes). O multi-facetado autor estreia-se agora na realização de longas-metragens com Hunted, que apesar de falado em inglês, é uma co-produção entre Bélgica e França que tinha como título original o muito mais interessante Cosmogonie (cosmogonia é a especulação sobre a origem e formação do mundo que se encontra em muitos mitos religiosos e na filosofia dos pré-socráticos).
A sinopse avançada pelo MOTELX é a seguinte: «Eve conhece um homem aparentemente charmoso num bar. No entanto, tudo começa a correr terrivelmente mal quando que ela percebe que se cruzou com um psicopata e o seu cúmplice. Inicia-se uma perseguição mortal até que Eve decide enfrentar os seus "caçadores". Mas não está sozinha; a floresta será a sua aliada.» Hunted aparenta ser mais uma simples história de vingança, no entanto não é meramente mais uma fantasia escapista de retribuição feminina. Paronnaud, através de um prólogo onde tira proveito da sua formação na animação, enquadra o calvário de Eve precisamente numa perspectiva mitológica própria de um conto de fadas. A simbologia não é discreta: o seu casaco com capuz encarnado remete imediatamente para O Capuchinho Vermelho, fábula publicada originalmente por Charles Perrault, mais tarde celebrizada pelos Irmãos Grimm, em que uma jovem e inocente menina é acossada e literalmente comida por um lobo. Muito embora neste caso, o lobo, tal como a restante natureza, apareçam como os salvadores, sendo os "lobo maus" os homens em pesada representação do patriarcado, do chauvinismo e do machismo.
Simbolismos à parte, Paronnaud constrói de forma eficaz cenas pejadas de tensão, ocasionalmente pontuadas por momentos de perturbadora e catártica violência, mesmo quando se aventura pelo território do realismo mágico, e pisca o olho à pura fábula. Na recta final, talvez se pedisse um argumento mais ágil, mas o que se perde em objectividade, ganha-se em sentido estético e onírico, numa inevitável e inescapável descida aos infernos alimentada pelo assoberbante sentimento de vingança que atropela qualquer sentido de justiça.