Neste arranque de ano voltamos a ter um fenómeno narrativo de true crime: Making a Murderer é uma série documental da Netflix que conta em dez episódios a história, tão inacreditável que não podia ser ficção, de Steven Avery, cidadão norte-americano absolvido de um crime que não cometeu após 18 anos na prisão que, depois de ser ilibado voltou a ser preso por homicídio.
The Jinx, série da HBO, e Serial, o podcast de sucesso mundial, são dois exemplos recentes que demonstram a popularidade de narrativas sobre crimes, criminosos, vítimas, inocentes e culpados. A natureza documental destes projectos ultrapassa o registo jornalístico e torna o espectador/ouvinte num participante da história envolvendo-o nos acontecimentos, obrigando-o a reflexões e tomadas de posição no sentido da descoberta da verdade e de um desfecho satisfatório.
Esta demanda, depois de nela embarcarmos, torna-se vital pois é invariavelmente um estudo sobre a natureza elusiva e a permeabilidade da verdade e, dado o aturado trabalho de investigação demonstrado nestes trabalhos, somos confrontados com o nosso instinto de julgamento imediato face aos nossos próprios constrangimentos e à superficialidade dos tratamentos noticiosos e interacções das chamadas redes sociais no dia-a-dia.
Há um debate muito interessante a ter sobre a responsabilidade de uma série como Making a Murderer no sentido que expõe um caso complexo, e os seus intervenientes, a milhares, senão milhões, de pessoas que serão influenciadas pelas opções e pontos de vista dos autores. Sabemos que filmes como A Verdade Contra Tudo, de Errol Morris ou mesmo o podcast Serial viram os casos que abordavam serem revistos e, no caso de Morris, consegui-se mesmo a ilibação e libertação de um homem inocente.
Possivelmente nunca saberemos a verdade sobre o caso de Steven Avery. Vou a meio da série e, independentemente do desfecho, sei que a gravidade dos comportamentos das forças de autoridade em quem um cidadão comum deveria confiar é razão suficiente para a existência deste documento. E aqui reside o fascínio de Making a Murderer: a natureza humana é bizarra demais para ser fruto de uma criação de ficção.