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À conversa com Zachary Quinto a propósito de NOS4A2

À conversa com Zachary Quinto a propósito de NOS4A2

Estreia a 3 de Junho no AMC NOS4A2 (lê-se Nosferatu), série criada por Jami O’Brien e baseada no best-seller de 2013 de Joe Hill, e que contou na cadeira de realização dos dois primeiros episódios com Kari Skogland. Conta a história de Charlie Manx (Zachary Quinto), um imortal sedutor que se alimenta das almas das crianças e depois deposita o que resta delas na Terra de Natal (Christmasland) — uma distorcida e gelada vila de Natal, fruto da imaginação de Manx, onde é Natal todos os dias e a infelicidade é proibida por lei. Contudo, Manx vê o seu mundo ameaçado quando Vic McQueen (Ashleigh Cummings), uma jovem na Nova Inglaterra, descobre que possui uma perigosa habilidade sobrenatural. Vic entra em campo para derrotar Manx e resgatar as suas vítimas — sem ceder à loucura ou tornar-se sua vítima.

Durante a sua digressão promocional a NOS4A2, tivemos a oportunidade de falar com Zachary Quinto sobre a série e muito mais.

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Sobre o género de terror.

“Gosto de bons filmes de terror — se é um bom filme de terror, para mim é um bom filme, e vai-me interessar. Não sou um fanático do género, não vejo todos os filmes no mercado. Por acaso um dos meus preferidos é um filme pouco visto do Brad Anderson chamado A 9a. Sessão [Session 9, 2001], que é muito, muito, muito assustador, fantástico e muito bem feito, memorável: esse é provavelmente o meu preferido. E gosto de filmes clássicos: lembro-me de ver Poltergeist, o Fenómeno [Poltergeist, Tobe Hooper, 1982] em miúdo e de ficar aterrado, A Maldição de Hill House [The Haunting of Hill House, Mike Flanagan, 2018], que é uma série televisiva, mas muito bem feita e assustadora por si só. Se tem qualidade…, como Hereditário [Hereditary, Ari Aster, 2018], que achei muito perverso e negro de formas inesperadas, gostei muito disso. Se tem qualidade, é bom, e gosto de boas histórias.”

Sobre a sua inspiração para a série.

“Realmente, inspirei-me no livro. O lado positivo de fazer um projecto destes é a abundância de material pré-existente. Joe Hill escreveu um romance incrível, um livro verdadeiramente cativante, envolvente e interessante em que as personagens são totalmente exploradas, complexas e bem desenhadas. Existe também uma obra complementar chamada The Wraith, uma novela gráfica que co-escreveu e que é sobre o Charlie Manx, o carro, a sua história, como se tornou quem é. Não precisei de procurar mais longe para ter uma fonte de inspiração para quem é esta personagem e ter a noção de como lhe dar vida. Não [conhecia os livros previamente], li os guiões primeiro. Enviaram-me seis argumentos para ler, e foi com isso que decidi participar na série, e só depois disso li o livro. Li-o muitas vezes e tive-o comigo para usar como referência ao longo da temporada — foi parte integrante da minha viagem pela temporada — e o mais interessante é que houve momentos pelo caminho em que não me lembrava onde o livro acabava e a série começava — será que aquele momento era do livro ou da série? Os dois estão intimamente relacionados e penso que a Jamie fez um ótimo trabalho de honrar a visão do Joe para a história ao dar-lhe vida.”

Sobre Joe Hill.

“Penso que o Joe estava entusiasmado em ver a sua história adaptada e apoiou o processo. Assim que concordou com a decisão de converter o livro numa série televisiva, penso que alinhou com a visão da Jami, confiou e apoiou-a na medida do possível. Ele não esteve envolvido regularmente; sei que leu os argumentos, que foi vendo os episódios conforme iam ficando prontos — afinal é produtor executivo na série —, por isso penso que estava investido nas histórias, mas não foi uma presença que se fizesse notar nos cenários de filmagem.”

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Sobre Charlie Manx.

“Acho que o interessante sobre o Charlie é que ele não se vê a si próprio como um vilão. Ele acredita que o que faz é no melhor interesse destes miúdos. Isso é o que o faz tão distorcido e interessante. As suas acções têm origem no seu próprio trauma relacionado com negligência, abandono e maus tratos enquanto criança e acredita genuinamente que está a oferecer a estas crianças uma alternativa melhor às vidas que levam com os seus pais, e isso é tão lixado, mas ao mesmo tempo tão cativante e interessante. Bom, ele é um tipo ruim: é aí que reside a dinâmica da personagem.”

“[Charlie] é um desvio do arquétipo [de vampiro], quer dizer, ele não é sedento de sangue, procura validação, poder e sustento através de terceiros, como os vampiros, mas consegue-o de uma forma diferente. O carro está intimamente ligado a isso, a sua ligação ao carro faz com que seja uma variação do tema. Nesta história, Charlie é uma extensão do carro e vice-versa, estão ligados energeticamente e são de certa forma manifestações um do outro. Mas acho interessante que esses temas correm na linhagem de histórias de Stephen King e penso que o Joe honra essa linhagem de forma elegante, mas também levando-a em direcções poderosas: tem uma voz única — mais do que estarias à espera do filho de uma lenda icónica. É como se trouxesse o pai consigo, mas não lhe segura a mão. É fruto da sua própria voz e do seu talento, e eu tenho muito respeito por isso, na realidade.”

“Para mim, interessa-me perceber o que faz dele um monstro, e, como actor, abordar a experiência com algum módico de compaixão. Penso que temos de conseguir fazer isso mesmo com qualquer personagem que interpretemos, mesmo com os monstros mais repreensíveis e maléficos, temos de perceber porque é que são dessa forma, e no caso do Charlie, se recuarmos para perceber as origens do mal, chegamos a traumas de infância não resolvidos, e penso que isso é verdade para muitos dos monstros do nosso mundo. Perceber quem ele era antes de ser quem é agora, o que aconteceu para o fazer desta maneira, é a janela minúscula, por muito pequena que seja, por onde eu posso trepar para perceber a personagem.”

“[Charlie] envolve muita preparação física, o desenho da personagem foi muito importante, por isso tivemos muita sorte por trabalhar com o Joel Harlow, um especialista de efeitos especiais de caracterização vencedor de um Óscar, com quem eu tive o prazer de trabalhar previamente [em Star Trek (J. J. Abrams, 2009)], e quando consegui o papel disse à Kari e à Jami que tínhamos de arranjar alguém topo-de-gama para desenhar este visual porque se não funcionasse, a série não funcionaria. O Joel estava disponível e interessado e juntou-se à equipa para desenhar os efeitos de caracterização e próteses. Trabalhámos juntos no desenho e enquanto ele o desenvolvia eu estava a trabalhar nos aspectos físicos da personagem, a tentar encontrar uma correlação entre a sua psicologia e a sua fisicalidade, e a identificar as diferentes idades que encarna. Definimos cinco fases: 40 anos, 65 anos, 85 anos, 105 anos e 135 anos, por isso para cada uma destas fases desenvolvi uma postura física apropriada à idade, adaptando-a a cada cena que estávamos a filmar, ao mesmo tempo escolhendo um padrão vocal para a personagem à medida que envelhece. Este foi o trabalho que fiz nos meses que anteciparam as filmagens, e assim que deram início tinha definido o visual da personagem. Foi uma combinação de factores num processo colaborativo.”

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Sobre o elenco da série.

“É uma óptima companhia de actores, uma reunião de muitas pessoas generosas e talentosas. Eu passei a maioria do meu tempo com [Ólafur] Darri Ólafsson, que interpreta Bing Partridge, e não me canso de dizer o quanto ele é uma pessoa fantástica. É um actor muito talentoso, muito generoso, atencioso e bondoso. Passámos muito tempo nos apertados lugares da frente daquele Rolls Royce Wraith de 1938 e nunca me cansei dele. Foi muito agradável trabalhar com ele e divertido observá-lo. Penso que o Bing Partridge vai ser um favorito dos fãs, é uma personagem assustadora, com uma qualidade de ameaça infantil, e por ser um tipo grande, usa o seu tamanho e força com grande habilidade. É um actor muito económico, tranquilo e silencioso, e penso que vai assustar as pessoas, pelo menos ao trabalhar com ele, consigo ver como tem o potencial para o fazer: é um tipo fantástico. Ashleigh Cummings, que encarna Vic McQueen, é um encanto, muito talentosa: esta é uma das suas primeiras grandes oportunidades na televisão, e penso que vai dar que falar, tem muita promessa e potencial. É agradável poder fazer parte do início do percurso que um colega actor está a começar a trilhar.”

Sobre os temas da série.

“As personagens não são perfeitas, e já o são assim no livro também, é isso em parte que o torna tão interessante. Vic McQueen enfrenta dificuldades, ao princípio para se encontrar a si própria, prosperar e sustentar-se. Enfrenta adversidades na sua viagem e nem sempre toma as melhores opções. O livro explora isso e penso que a nossa série está a estabelecer a base para o explorar também. Ter personagens multi-dimensionais é um elemento cativante no contar de histórias narrativas. Foi uma das coisas que me atraiu inicialmente para o projecto, e penso que será uma das razões que agarrará os espectadores para querem mais histórias.”

“Penso que esse é um dos temas da série, vulnerabilidade, abandono, negligência. Quem é responsável pelo bem estar das crianças? Quais são as implicações dos responsáveis maiores por acarinhar as crianças lhes falharem nesse capítulo? Isso é uma perspectiva. De outra perspectiva, temos a manifestação da família, tal como nos é apresentada através da Vic: como lidas com as expectativas que a tua família tem de ti, como defines o teu próprio caminho e a tua própria força? São também temas abordados pela série. Funciona em muitos níveis distintos. E Manx é alguém que tem um complexo de salvador e vê-se a si próprio como responsável por algumas destas crianças, de uma maneira em que alguém não se responsabilizou por ele. É assim que justifica perante si próprio aquilo que faz, sem ter a percepção do outro lado da moeda.”

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Sobre o seu trabalho como actor.

“Não acho que haja muita diferença [entre trabalhar em cinema e televisão], ou seja, trabalhar em cinema requer um conjunto de aptidões, trabalhar no teatro requer aptidões diferentes, são muito diferentes, mas cinema e televisão são muito semelhantes, trabalha-se num meio muito mais pequeno. O processo de trabalho assenta na captura de um momento que nunca mais vai existir, mas que perdurará nesse meio. É sobre a captura de algo efémero, instinto, impulso, liberdade, especificidade, atrair o espectador, prender o espectador à história ao invés de a projectar para o exterior, como no teatro. Não vejo diferenças substanciais entre o processo de trabalho no cinema e na televisão. São muito semelhantes.”

“Há uma pressão diferente do que há ao interpretar um papel como o Spock, que tem que ver com expectativas. A relação das pessoas com esse papel e com o actor que o originou, Leonard Nimoy, foi o maior desafio dessa experiência, e foi um desafio enorme porque o Spock é uma das personagens ficcionais mais conhecidas à face do planeta, por isso esses foram uns grandes passos que tive de seguir e uma enorme expectativa que tive de cumprir. Isto é diferente, é outro tipo de desafio: construir uma personagem, criar uma pessoa, que não podia estar mais afastada daquilo que sou na minha vida real, e fazê-lo de uma forma autêntica e credível. Garantir que podia ocupar de forma convincente e cativante a(s) idade(s) desta personagem. E, para os fãs do livro, garantir que estamos a fazer justiça à história e à imaginação retorcida do Joe. Ou seja, foi desafiante de formas diferentes. Encarnar o Spock foi o maior desafio do meu percurso como actor. Aqui pelo menos há a vantagem de ser uma série original, é algo que estamos a partilhar com as pessoas pela primeira vez, por isso a pressão não é tão grande. A minha preocupação era honrar o livro e a personagem que o Joe criou e garantir que dava vida a essa figura literária de uma forma fiel à sua história.”

“Penso que todas as personagens que interpretamos têm algo das personagens que encarnámos previamente como actores, faz parte do processo. A nossa experiência é cumulativa, criativamente e profissionalmente. Não de uma forma consciente — não construí esta personagem com base em nenhuma outra que já interpretei —, mas o facto que já encarnei alguns arquétipos de vilões na minha carreira faz com que seja uma pedra-de-toque regressar; penso que não seria o caso se não tivesse interpretado esses papéis previamente.”

“Gosto de interpretar personagens interessantes, dinâmicas e complexas. Não procuro vilões mais que outro tipo de papéis. Tenho interpretado muitas personagens diferentes ao longo da minha carreira, e como disse penso nisto como uma pedra-de-toque, um regresso a algo que as pessoas gostam de me ver encarnar. Sinto que o Manx representa um fechar de capítulo de uma viagem começada com o Sylar [da série Heroes], continuada com [Dr. Oliver] Thredson [da série American Horror Story] e agora terminada com o Manx. Sinto que foi algo orgânico, não me parece que procurarei algo parecido num futuro próximo, quero explorar outras coisas, mas penso que às vezes para fazer isso temos de voltar às coisas e às pessoas que nos são familiares. Às vezes a primeira coisa pela qual ficamos conhecidos é aquilo pelo qual ficamos mais conhecidos, por isso permiti que isso evoluísse no meu percurso, mas agora estou preparado para lhe dar um pouco de descanso. Gostei da experiência, mas não a procurei.”

Sobre o futuro da sua carreira.

“Estou aqui a acabar esta digressão promocional, e depois vou começar um filme daqui a cerca de um mês, e depois disso é ver o que se vai passar com esta série: se tiver sucesso, talvez voltemos para fazer mais episódios, senão tenho uma data de outros projectos em desenvolvimento; também tenho uma produtora, por isso desenvolvo projectos para cinema e televisão; estou também à procura de uma oportunidade de voltar aos palcos, por isso uma ou todas estas coisas deverão acontecer no período dos próximos seis meses a um ano, vamos ver como tudo se desenrola. No Verão, vou fazer um filme em Los Angeles, por isso estou a preparar-me para fazer isso. Chama-se The Boys in the Band, é uma adaptação de uma peça que interpretei na Broadway no Verão passado, e estamos a produzi-la para a Netflix — começamos as filmagens em Julho.”

“Acho que neste momento estou pronto para me envolver em histórias mais enraizadas na realidade, assim que terminar NOS4A2. É esse o meu plano, esta série servir como uma rampa de lançamento para outras experiências, usar esta oportunidade para orientar-me para outros tipos de histórias. Mas quando este tipo de género funciona — fantasia sobrenatural estilizada ou ficção científica ou terror —, funciona muito bem. Os espectadores ficam muito entusiasmados e contentes com este tipo de histórias, foi isso que em parte me atraiu a este projecto, e porque funciona mesmo estou ansioso para partilhá-lo com as pessoas.”

“Sim, adorava realizar: tenho de encontrar a história certa. Ainda não a encontrei, por isso tenho de descobrir qual o melhor caminho a seguir para ter essa experiência, seja uma curta ou uma longa-metragem na qual eu acredite, ou até um episódio de NOS4A2, quem sabe? Mas é uma possibilidade que me interessa e para a qual estou disponível. No que respeita à minha produtora, o ímpeto é material inteligente, de alguma forma relevante socialmente; adoro apoiar realizadores estreantes. Temos uma longa e diversificada lista de projectos, tanto para cinema como para televisão. Sem vos tentar “vender” a ideia da minha produtora, sinto que temos umas obras de género, biopics históricos, estou a adaptar um romance para uma série televisiva, tenho um programa de comédia de meia-hora para televisão, ou seja, tenho uma data de coisas nas quais estou a trabalhar, é só uma questão de alinhar qual será o primeiro a concretizar-se, o que ajudará a dar forma à minha produtora daqui para a frente e a estabelecer a nossa direcção. Mas estamos a desenvolver muitas coisas e estou sempre à procura de novo material.”

O episódio do podcast Segundo Take em que se pode ouvir esta conversa com Zachary Quinto está disponível aqui.

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