O Padrinho, a proposta irrecusável de Coppola e Puzo
No próximo episódio de Universos Paralelos, um programa da autoria de António Araújo (Segundo Take), José Carlos Maltez (A Janela Encantada) e Tomás Agostinho (Imaginauta), aceitamos a proposta irrecusável de Francis Ford Coppola e Mario Puzo para falar da saga O Padrinho. Não percam na próxima quarta-feira, 22 de Julho, o episódio 31 em www.segundotake.com/universos-paralelos.
É facto assente que as histórias de crime sempre desempenharam um papel importante na ficção universal. Tanto aquelas em que aventureiros, mais ou menos profissionais, deslindavam mistérios (ou seja, as histórias de detectives), ou as outras em que indivíduos ou organizações interferem em planos corporativos (como nas histórias de espiões). Mas há ainda um outro tipo de histórias, um pouco mais perversas, em que o protagonismo é assumido pelos criminosos. Estas vão dos desafios (por vezes quase cómicos) dos chamados heists, em que o objectivo é o concretizar de um determinado golpe, até à descrição e vida interior de organizações criminais de grande vulto, alcance e impacto financeiro.
É neste último campo que se inclui o fascínio que a ficção vai mostrando pelo funcionamento e actividades da máfia. É certo que, no cinema, se já o western The Great Train Robbery (1903) lançava o mote e o alemão O Doutor Mabuse (1922) de Fritz Lang nos dava a perspectiva de um mastermind do crime, é nos anos 30 que — fazendo eco de uma realidade que nascia da lei seca norte-americana e de todo o mundo de crime organizado que aí se iniciou — os chamados filmes de gangsters ganharam um incrível sucesso junto do público, notabilizando actores como James Cagney, Edward G. Robinson e um vilão que mais tarde ganharia notoriedade em nome próprio chamado Humphrey Bogart.
Se o código de Hays combateu esta fama, e o crime pareceu não compensar durante algumas décadas, a Nova Hollywood voltou a inverter a situação ao colocar os vilões no centro dos acontecimentos com filmes como Bonnie e Clyde (1967), fruto da contracultura vigente, em que qualquer sinal de rebelião era bem vindo. É nessa sequência que, em 1972, se deu a pedrada no charco quando Francis Ford Coppola adaptou o romance homónimo de Mario Puzo — o qual participou na escrita do argumento — para nos dar O Padrinho, o filme que nos mostrou a máfia ítalo-americana por dentro, como um acontecimento de família, cheio de intrigas palacianas, uma pompa impensável e um jogo criminal digno do xadrez, com ramificações e ambições que convidam a comparações com o Império Romano.
Com ícones como Don Vito Corleone (Marlon Brando) e o seu filho Michael (Al Pacino) — curiosamente dois actores por quem Coppola teve de se bater bravamente com a Paramount — conhecemos a frieza, a subtileza e o cinismo de lidar com o perigo e as decisões mais violentas; vemos como se conduzem negócios por entre sangue e corrupção; aprendemos a força da lealdade familiar, a tradição siciliana, a implacabilidade do lidar com cada traição e o peso da família como instituição acima de qualquer outra.
Seja a máfia de Coppola e Puzo muito ou pouco próxima da real máfia ítalo-americana — e seja esta muito ou pouco distante da sua congénere italiana —, para o bem ou para o mal são os filmes de Coppola que ficam no nosso imaginário, como o sucessor directo O Padrinho II (1974), ou o mais longínquo O Padrinho III (1990). Através deles conhecemos a relação entre negócios e família, a sua expansão numa espécie de deturpação do sonho americano, e, por fim, a globalização tocando esferas como a economia internacional e o próprio Vaticano. E, mais que tudo, vivemos a história do personagem trágico Michael Corleone.
Pode-se dizer que nada mais no cinema de crime organizado seria o mesmo, do mesmo modo que nunca mais o público deixou de desejar histórias em que as grandes organizações criminosas fossem descritas por dentro, seja por um certo romantismo herdeiro de Coppola, seja como exorcismo dos poderes ocultos que ainda hoje imaginamos escondidos por detrás de cada grande poder instituído.
José Carlos Maltez, Julho de 2020.
Fontes primárias
Literatura
A saga Corleone
Puzo, Mario (1969) The Godfather. New York City, NY: G. P. Putnam's Sons
Winegardner, Mark (2004) The Godfather Returns. New York City, NY: Random House
Winegardner, Mark (2006) The Godfather's Revenge. New York City, NY: Putnam
Falco, Ed (2012) The Family Corleone. New York City, NY: Grand Central Publishing
Outros livros de Mario Puzo sobre a máfia
Puzo, Mario (1984) The Sicilian. New York City, NY: Random House
Puzo, Mario (1996) The Last Don. New York City, NY: Random House
Puzo, Mario (2000) Omertà. New York City, NY: Ballantine Books
Cinema
O Padrinho (The Godfather, Francis Ford Coppola, 1972)
O Padrinho, Parte II (The Godfather Part II, Francis Ford Coppola, 1974)
O Padrinho, Parte III (The Godfather Part III, Francis Ford Coppola, 1990)
Televisão
The Godfather Saga (Francis Ford Coppola, 1977)
Directo para Vídeo
Godfather Epic Boxset (Francis Ford Coppola, 1981)
The Godfather Trilogy (Francis Ford Coppola, 1992)
Fontes Secundárias
Literatura
Coppola, Francis Ford (2016) The Godfather Notebook. New York City, NY: Regan Arts
Duncan, Paul (2013) The Godfather Family Album. Hollenzolernring, Köln: Taschen
Jones, J. M (2009) Annotated Godfather: The Complete Screenplay with Commentary on Every Scene, Interviews, and Little-Known Facts. New York City, NY: Black Dog & Leventhal
Documentários
The Godfather Family: A Look Inside (Jeff Werner, 1990)
Outras referências
Cinema
O Pequeno César (Little Caesar, Mervyn LeRoy, 1931)
O Inimigo Público (The Public Enemy, William A. Wellman, 1931)
Scarface, o Homem da Cicatriz (Scarface, Howard Hawks, 1932)
Anjos de Cara Negra (Angels With Dirty Faces, Michael Curtiz, 1938)
Heróis Esquecidos (The Roaring Twenties, Raoul Walsh, 1939)
Bonnie e Clyde (Bonnie and Clyde, Arthur Penn, 1967)
Dillinger (Dillinger, John Milius, 1973)
Os Cavaleiros do Asfalto (Mean Streets, Martin Scorsese, 1973)
Scarface - A Força do Poder (Scarface 1983, Brian De Palma)
Cotton Club (The Cotton Club, Francis Ford Coppola, 1994)
A Honra dos Padrinhos (Prizzi's Honor, John Huston, 1985)
Era Uma Vez na América (Once Upon a Time in America, Sergio Leone, 1984)
Os Intocáveis (The Untouchables, Brian De Palma, 1987)
História de Gangsters (Miller’s Crossing, Joel Coen, Ethan Coen, 1990)
Tudo Bons Rapazes (Goodfellas, Martin Scorsese, 1990)
Bugsy (Bugsy, Barry Levinson, 1990)
Um Bairro em Nova Iorque (A Bronx Tale, Robert De Niro, 1993)
Casino (Casino, Martin Scorsese, 1995)
Donnie Brasco (Donnie Brasco, Mike Newell, 1997)
Caminho para Perdição (Road to Perdition, Sam Mendes, 2002)
The Departed - Entre Inimigos (The Departed, Martin Scorsese, 2006)
Gangster Americano (American Gangster, Ridley Scott, 2007)
Gomorra (Matteo Garrone, 2008)
O Irlandês (The Irishman, Martin Scorsese, 2019)
Televisão
O Polvo (La Piovra, 1984-2001, RAI) [48 episódios]
Os Sopranos (The Sopranos, David Chase, 1999-2007, HBO) [86 episódios]
Boardwalk Empire (Terence Winter, 2010-2014, HBO) [56 episódios]
Gomorra: La serie (Roberto Saviano, 2014–, Sky) [48 episódios]