First Love
Takashi Miike é um realizador de extremos. Contando em três décadas de carreira com sessenta e quatro títulos de longa-metragem para o cinema, isto ignorando dezenas de créditos directos para vídeo ou televisão, é um prolífico e provocador realizador japonês que deu nas vistas internacionalmente em 1999 com Anjo ou Demónio (Ôdishon), consolidando as credenciais de enfant terrible em 2001 com o hiper-violento (no entanto hilariante, segundo os estômagos mais fortes) Ichi the Killer (Koroshiya 1). Produzindo filmes de variados géneros a um ritmo alucinante, Miike revela-se particularmente interessado em explorar representações explícitas de sexo e violência, as constantes na sua multifacetada obra. First Love (Hatsukoi, 2019) não foge à regra, com o benefício desta história de amor florescente entre um jovem pugilista e uma jovem prostituta enredados numa teia envolvendo a máfia japonesa, a máfia chinesa e polícias corruptos ser provavelmente um dos seus filmes mais acessíveis e um bom cartão de visita para os iniciados no seu universo.
First Love tem sido comparado a Quentin Tarantino, mas na verdade qualquer filme envolvendo criminosos de competência duvidosa enredados em espirais de violência corre o risco de ser comparado com aquele cineasta que há muito partiu para outras paragens referenciais. Estas comparações são, no entanto, um típico caso da cauda a abanar o cão, pois o cinema que Tarantino homenageou nos anos noventa, e com o qual granjeou a fama e o reconhecimento, era precisamente o cinema violento de origem oriental. Nesta história passada em Tóquio, o jovem pugilista Leo, imediatamente após lhe ser diagnosticado um tumor cerebral, auxilia Yuri, uma jovem cativa explorada pela Yakusa, tornada toxicodependente, e perseguida tanto pelo fantasma do pai como pelo polícia corrupto Ōtomo. Involuntariamente, Leo e Yuri são incriminados no roubo de um carregamento de metanfetaminas pelo polícia em conluio com Kase, um yakuza ambicioso que pretende desviar as drogas para proveito próprio, espicaçando as tensões rivais entre as máfias japonesa e chinesa.
A narrativa de First Love é intrincada, mas em última instância bastante simples, tornando-se num jogo do gato e do rato com múltiplos antagonistas do perverso sub-mundo do crime de Tóquio na peugada do jovem casal, resultando num trilho de mortos e sangue ao mesmo tempo que os laços entre Leo e Yuri vai estreitando. Tudo isto pincelado com um sentido de humor muito negro, com especial destaque para o desempenho de Shota Sometani como Kaze, o inepto mafioso dissidente na origem da trama. Se dúvidas houvessem sobre a natureza exagerada e de banda desenhada da acção, uma sequência na recta final é animada, muito provavelmente disfarçando também a impraticabilidade de a filmar. No final, não há muito logo abaixo da superfície — há um comentário sobre a motivação e a forma como o desespero obriga a uma nova perspectiva sobre a vida —, mas sobra um recompensador filme de acção violenta que não destoa da larga filmografia do seu autor.