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Massacre no Texas

Massacre no Texas

Quando Tobe Hooper voltou ao universo de Massacre no Texas, com a sequela de 1986 produzida pela mítica Cannon, carregou na violência e no gore, e, apesar do fracasso comercial, foi amontoado na pilha dos populares slashers da altura. Com base na popularidade residual de Leatherface, os anos noventa viram surgir mais duas sequelas: Leatherface: The Texas Chainsaw Massacre III, quem em Portugal se chamou singelamente O Assassino da Moto-Serra, e Massacre no Texas: O Regresso, escrito e realizado por Kim Henkel, colaborador de Hooper no guião do original. É engraçado como já em 1995 se começava a ver a tendência para as sequelas perderem o número do título, embaraçados por serem uma quarta entrada numa série de filmes de terror, e de desvalorizarem as sequelas anteriores, para se situarem como a única continuação legítima. No entanto, uma pós-produção atribulada e um lançamento tímido deitaram por terra as aspirações comerciais e o futuro desta propriedade intelectual.

 

Imagem retirada deste artigo da Bloody Disgusting.

 

O que se seguiu, já no novo milénio, entre 2003 e 2017, foi uma confusão de remakes, prequelas do remake, sequelas do original e prequelas do original que quase desafiam a continuidade temporal de Halloween para o trono da maior trapalhada numa saga de filmes de terror, dando origem a divertidos gráficos que se podem encontrar online numa tentativa de guiar os fãs mais perdidos pelo labirinto de títulos. Inevitável, portanto, que dado o panorama actual, à nona entrada na série, sejamos brindados com mais um soft reboot em forma de sequela de legado.

Quase 50 anos após os crimes do filme original, um grupo de jovens empresários hipsters viaja para Harlow, uma remota cidade no Texas há muito abandonada, com o plano de leiloar as propriedades para criar uma área moderna e fortemente gentrificada. Um mecânico local trabalha relutantemente como empreiteiro para o grupo, pouco agradado com os seus planos para a região. Ao inspecionarem um antigo orfanato, ficam surpreendidos ao descobrir que ainda é ocupado por uma senhora idosa que afirma ser a dona legítima da propriedade. Na discussão que se segue, tem um ataque cardíaco, morrendo a caminho do hospital na companhia do homem silencioso e imponente que vivia com ela — homem que se vem a revelar ser Leatherface. Recuperando a icónica máscara, numa versão fresquinha, dá início a uma vaga de assassinatos vingativos, voltando à cidade e ameaçando o grupo de investidores que aí se juntou numa festa improvisada. Entretanto, Sally Hardesty, a única sobrevivente em 1974, agora uma dura Ranger do Texas, coloca-se a caminho quando recebe notícias do ressurgimento do seu atormentador.

Deixem-me ser completamente claro: este Massacre no Texas, versão 2022, produzida pela equipa de Não Respires, Fede Álvarez e Rodo Sayagues, e realizada pelo director de fotografia David Blue Garcia, é um inequívoco desastre. A começar na necessidade de se posicionar como sequela de legado. Para quê?, perguntarão. Para absolutamente nada, digo eu. Aqui está mais uma pretensa e desonesta continuação que não só não entende o filme original como, na verdade, é um reboot numa tentativa de lançar mais uma série de filmes. Para quê  recuperar uma personagem do filme de 74 (que nem sequer é a mesma actriz, Marilyn Burns, entretanto falecida) se não existe nenhuma preocupação com a mitologia? Com a mitologia? Nem sequer parece ter havido preocupação com o argumento. Ou com algo tão aparentemente básico como a caracterização de personagens. Há, tenho de reconhecer, uma premissa original — a gentrificação de um lugarejo abandonado por urbanos hipsters. A esta premissa, juntam-se sugestões de temas que não passam de esquissos, como se de uma receita culinária se tratasse — o racismo que ainda se faz sentir num estado sulista norte-americano, a violência das armas que volta e meia invade as escolas daquele país, a falta de noção e respeito de hipsters que vivem a vida nas redes sociais, ou a vivência com o trauma de terrores passados. Tudo isto é misturado numa narrativa que desbarata qualquer oportunidade para desenvolver estes temas, mais preocupada, ou, melhor dizendo, exclusivamente preocupada em encenar sangrentas cenas gore.

O problema é que é difícil o frisson quando não conhecemos nem nos importamos com nenhuma das personagens. O terror sustentado do original é trocado por uma ilusória economia narrativa — o filme tem pouco mais de 80 minutos — que confunde sangue e mutilações com eficácia. A sequência que lança o terceiro acto é uma paródia involuntária passada num autocarro que faz lembrar Braindead,  de Peter Jackson, cruzado com outra sequela de má memória, Jeepers Creepers 2, de Victor Salva, dando o mote a uma sucessão de cenas em que todos os defeitos dos filmes de terror são cometidos, com personagens a agirem de formas tão inverosímeis que apenas podem ser explicadas pelos constrangimentos de escrita, comportando-se não como pessoas mas como peões num quadro de xadrez narrativo muito pouco imaginativo. Além disso, não só o papel da sobrevivente Sally é inconsequente, numa tentativa de ecoar o trauma de uma das protagonistas, Lila, interpretada por Elsie Fisher, como o seu retrato está demasiado colado ao regresso de Jamie Lee Curtis a Halloween como Laurie Strode , uma veterana de longos cabelos brancos que levou toda uma vida a alimentar o sentimento de vingança, preparando-se ferozmente para tal, para, chegado o momento, deitar tudo a perder por razões que a razão desconhece e que o novato argumentista Chris Thomas Devlin não se dá ao trabalho de justificar devidamente.

Porque nem tudo é mau, deixem-me falar de algo positivo: Massacre no Texas tem uma óptima fotografia. O problema é que até este parco elogio está nos antípodas do registo quase documental e verosímil do original. Se antes quase conseguíamos cheirar o suor das personagens, neste parece que foi tudo coberto com uma brilhante e artificial camada de verniz. Apesar das generosas quantidades de sangue, de fracturas expostas e de crânios esmagados, estamos longe da irreverência do filme de Tobe Hooper, que nunca foi sobre a vertigem da violência, mas sim sobre a tensão sustentada do terror. São raros os filmes que aprenderam essa lição, e esta nova versão de 2022 segue com uma negativa a vermelho na caderneta.

Entretanto, se, concluído o filme, estranharem a Netflix não arrancar imediatamente a série da moda do momento, não se espantem e fiquem até ao fim. Poderão testemunhar uma cena após o genérico final, confirmando definitivamente as intenções deste empreendimento.

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