Bodies Bodies Bodies
Foi com a Sala Manuel de Oliveira do Cinema São Jorge praticamente esgotada que arrancou a 6 de Setembro a 16ª edição do MOTELX. Depois das habituais saudações da equipa que nos traz o festival, incluindo um resumo do que nos espera durante o resto da semana, era palpável a excitação do público presente para ver Bodies Bodies Bodies, filme de estreia em língua inglesa da realizadora (e também actriz e produtora) holandesa Halina Reijn.
Bodies Bodies Bodies é mais um título do cada vez mais cativante catálogo de terror da produtora A24, trazendo consigo a promessa de um slasher actualizado para a geração Z (pós-millennials nativos digitais) com a devida dose de humor e desconstrução irónica – tanto do género em que se insere como da geração que o protagoniza.
Protagonizado por um conjunto de novas caras, no meio das quais reconhecemos o comediante Pete Davidson (a brincar com a sua própria persona e percepção pública), Maria Bakalova (a revelação de Borat, o Filme Seguinte) e Lee Pace (a carta fora do baralho como um trintão sem noção de si mesmo), Bodies Bodies Bodies conta a história de uma festa organizada por um bando de miúdos ricos e mimados na casa dos vinte. Reunem-se na mansão dos pais de um deles durante uma noite de tempestade e, depois de alguma tensão entre os amigos, durante um jogo de “descobre quem é o assassino”, a noite revela-se mortífera quando, na sequência de um apagão, é descoberto um cadáver de verdade.
Não se deixem enganar pela (imerecida) fama da A24 apenas produzir terror intelectual (que horror!) ou elevado (seja lá o que isso for), tampouco com as possíveis armadilhas do género slasher. Halina Reijn e as colaboradoras Sarah DeLappe (argumentista) e Kristen Roupenian (autora da história original) construiram um filme ferozmente original, assente em convenções do género, é certo, no entanto com a violência física a servir como o culminar absurdo das vácuas e superficiais relações entre supostos amigos alimentadas a hormonas e redes sociais.
O resultado é uma sátira polvilhada por hilariantes diálogos e sequências em que a violência escala a um ritmo vertiginoso, sequências essas captadas através de uma excelente fotografia de Jasper Wolf captada maioritariamente no escuro e musicadas por Disasterpiece (o norte-americano Richard Vreeland) com uma banda sonora electrónica perfeitamente alinhada com o espírito do filme. Halina Reijn tem a difícil tarefa de suportar uma longa-metragem com personagens às quais não se podem apontar muitas virtudes, no entanto a sua visão, apesar de crítica, não é ácida nem zangada. E este equilíbrio de tom no zombateiro apontar de dedo, com as personagens a serem alvo de julgamento, mas nunca de moralismo, é um feito notável.
A escrita nem sempre está à altura da execução, e um exemplo disso mesmo é a sequência final que (sem spoilers) recorre a alguns atalhos narrativos batoteiros. No entanto, estes levam-nos a um desenlace tão genuinamente engraçado que compensa largamente qualquer fraqueza do argumento.
Posto isto, Bodies Bodies Bodies é merecedor do hype que o precede, como o puderam atestar as inúmeras gargalhadas que se puderam ouvir na Sala Manuel de Oliveira, bem como os sorrisos ostentados por quem a abandonava no final da sessão.