As senhoras também caçam fantasmas?
Este texto foi publicado originalmente na Take Cinema Magazine dia 25 de julho de 2016 com o título Caça-Fantasmas e pode ser lido na íntegra aqui.
Nunca pensei estar a falar em 2016 de um novo filme d’Os Caça-Fantasmas. Nunca pensei estar em 2016 a falar de um novo filme d’Os Caça-Fantasmas e não saber bem o que lhe chamar: remake, reboot, legacy sequel, para usar os termos que nos chegam dos EUA. Nunca pensei estar em 2016 a falar de um novo filme d‘Os Caça-Fantasmas com um elenco feminino. Mas também nunca pensei começar uma conversa sobre um novo filme d’Os Caça-Fantasmascom um elenco feminino com um lamento. Não pelo género do elenco, mas pelas supostas polémicas geradas à volta do mesmo. Isso sim, deveria ser polémico. Confesso que nunca pensei nenhuma das coisas que referi porque, pelos vistos, apesar dos quase quarenta anos, ainda sou muito ingénuo. Não só Hollywood não precisa de nenhuma razão para fazer o que quer que seja, a não ser a oportunidade de o comercializar com lucro, como o mundo virtual e a sociedade de informação em que vivemos abriram a porta a todas as nuances do ser-humano. E, apesar da história que aprendemos na escola parecer coisa do passado, a idade ensina-nos que ela se repete. E com ela a capacidade do ser humano ser intolerante, mesquinho e cobarde.
Confesso que, quando ouvi falar num novo filme d’Os Caça-Fantasmas com um elenco feminino, pensei: “Porquê?”. Mas a verdade é que sou homem e caucasiano. Os filmes de Hollywood são, em 99% dos casos, sobre mim ou uma variante de mim. A verdade é que estamos no século XXI mas continuamos a lidar com desequilíbrios e injustiças provocadas por género e raça. Por isso mudei rapidamente de opinião: Um Caça-Fantasmas com mulheres? Venha ele! E já agora, venham mais! Venham os suficientes para que possamos chegar a um ponto em que os filmes tenham gente. E onde género, raça, forma ou cor não seja tema nem notícia. Ninguém é obrigado a gostar de nada, e a liberdade permite que os idiotas se mostrem opinando livremente, mas o que justifica todo o ódio dirigido ao filme apenas porque o trailer não era assim tão engraçado? E os insultos racistas dirigidos pelas redes sociais a elementos do elenco? Que tipo de inseguranças leva uma multidão com as pestanas queimadas pelos monitores dos seus computadores a propagar ódio apenas por sentir ameaçado um filme do qual se gostou muito quando era criança? Mesmo em pequenos gestos se nota uma sensibilidade extra em relação a este tema. Assumi que o título em português seria As Caça-Fantasmas, numa troca óbvia do artigo da tradução original, mas consultando o IMDB verifico que o título oficial português é Caça-Fantasmas, ignorando o artigo e, por conseguinte o seu género. Não estou a equivaler o acto de não se gostar do filme à intolerância, à xenofobia e à misoginia. Aliás, reservei-me o direito de não gostar do filme, antes de o ver. Não achei piada aos trailers que vi, nem tão pouco gostei da nova versão da popular música do Ray Parker Jr. pelos Fall Out Boy. Em relação ao filme vou tentar ser analítico, objectivo e tolerante.
Tal como o filme original, esta versão tem como base uma trupe com origem na comédia. Melissa McCarthy é uma popular actriz cómica que tem colaborado regularmente com Paul Feig, realizador e escritor, em conjunto com Katie Dippold, e que começou por trabalhar na televisão onde realizou episódios da genial Arrested Development – De Mal a Pior e foi o criador de uma das minhas séries favoritas, a muito pouco conhecida Freaks and Geeks, apesar de ter apresentado ao mundo nomes como James Franco, Seth Rogen, Jason Segel, Linda Cardellini e Martin Starr. Além de McCarthy temos Kristen Wiig, Kate McKinnon e Leslie Jones que também passaram pelo elenco de Saturday Night Live e, apesar de Wiig ser o nome mais reconhecível dos três, McKinnon e Jones são apontadas como nomes sólidos e promissores.
Caça-Fantasmas é, para o bem e para o mal, o produto da tendência nostálgica actual de Hollywood. Sejam sequelas, remakes ou reboots, a norma agora é referenciar e reverenciar os filmes originais, seja através de homenagens mais óbvias ou piscadelas de olho mais subtis. Culparia J.J. Abrams por iniciar esta tendência com o Star Trek de 2009, mas se por cada Terminator Genesys tivermos um Star Wars: O Despertar da Força, não me vou queixar muito. Além disso, se racionalmente deveria ser crítico desta abordagem saudosista e oportunista, emocionalmente sou fã desta tendência. E em Caça-Fantasmas 2016 existem mil e uma referências a momentos bem conhecidos do público numa decisão mais discutível do que o costume pois este filme existe num universo onde o filme original, e a sua sequela, não aconteceram. Se juntarmos os cameos inconsequentes dos membros do elenco original, com a excepção de Harold Ramis por razões óbvias, percebemos que o filme se está a colocar numa posição muito difícil provocando comparações com os filmes anteriores, ao invés de se reinventar completamente.
O problema é que nunca se consegue libertar da herança que abraçou. Apesar de divertido, resultado do trabalho das actrizes do elenco principal, e do absurdo da sátira da inversão de género na contratação do extremamente atraente, mas inversamente inteligente, recepcionista Kevin, interpretado por Chris Hemsworth, a preocupação de construir um vilão com um plano maquiavélico e que precisa de ser travado banaliza a narrativa e retira o elemento de cientistas de colarinho azul que montam um negócio de limpeza mas, em vez de lixo, recolhem fantasmas, que constituía a abordagem prosaica e demonstrava o lado corriqueiro e tarefeiro do dia-a-dia dos caça-fantasmas do original. Ausente também está o confronto com a autoridade que dava alguma irreverência às contrapartes masculinas. Num filme tão auto-consciente, que endereça numa piada o ódio que lhe foi apontado ainda em fase de produção, é estranho assistir à facilidade com que as caça-fantasmas alinham com os planos do gabinete do mayor de Nova Iorque, colocando-se, por vezes num papel de submissão contra-intuitivo aos seus próprios interesses.
Tendo dito tudo isto, a verdade é que me diverti imenso com o filme, apesar das costuras que revela. Não é consistentemente estruturado como o filme de Ivan Reitman, nem sequer como a sua sequela, mas é igualmente bem disposto, humorado e assustador q.b. para os mais miúdos e, se tivesse 8 anos, inocente e sem a bagagem cultural que já carrega, possivelmente teria ficado tão fã deste filme como fiquei do original quando o vi na mesma idade.
Podem subscrever estes artigos e o podcast na barra lateral, seguir-me no FACEBOOK e no INSTAGRAM e enviem-me as vossas opiniões e sugestões para SEGUNDOTAKE@GMAIL.COM. Encontram também críticas e artigos da minha autoria na Take Cinema Magazine.