Mais recentes Segundo Take

Mais recentes Universos Paralelos

A Vastidão da Noite

A Vastidão da Noite

Depois de ter sido rejeitado em inúmeros festivais, incluindo certames de grande importância para o sucesso de filmes independentes como Sundance, SXSW e TriBeCa, A Vastidão da Noite foi aceite pelo Slamdance Film Festival, uma mostra cinematográfica anual que decorre em Park City, no estado do Utah, paralelamente ao festival de  Sundance. Estreado a 25 de Janeiro de 2019, viria a vencer o prémio do público. Desde então, a estreia na realização de Andrew Patterson, segundo guião de James Montague e Craig W. Sanger, viria a ser acolhido por mais festivais que o foram premiando em diferentes categorias, construindo lentamente uma boa reputação nos círculos mais atentos ao cinema independente norte-americano. Adquirido pela Amazon Studios, foi finalmente disponibilizado ao grande-público a 20 de Maio através do serviço Prime Video, incluindo aqui em Portugal.

Na pequena localidade de Cayuga, no Novo México, algures na década de cinquenta do século passado, o carismático DJ da rádio local Everett, Jake Horowitz, e a operadora telefónica Fay, Sierra McCormick, abandonam o recinto desportivo onde se vai disputar um jogo de basquetebol com a equipa local, atraindo uma enorme multidão. Everett acompanha Fay pelas ruas desertas até à central telefónica onde aquela vai pegar ao serviço, antes de se deslocar à estação de rádio onde irá entrar no ar para mais uma emissão do seu programa. Ao ouvir a transmissão radiofónica, Fay ouve um som peculiar que interrompe a emissão, voltando a ouvi-lo numa das muitas misteriosas chamadas que recebe entretanto. Ao partilhar com Everett o estranho som, este coloca-o no ar, perguntando à audiência se o reconhecem e apelando para que liguem se souberem a sua origem. Quando Billy liga a contar a sua história, Fay e Everett decidem investigar o mistério.

IMG_0761.jpeg

Há uma série de elementos que contribuem para o abraçar carinhoso deste filme pelas audiências. A começar pela homenagem imediata a séries como a percursora Quinta Dimensão (Twilight Zone) e No Limiar da Realidade (The Outer Limits) ou até mesmo o tom e a impressão de Ficheiros Secretos (The X-Files). O título The Vast of Night é-nos mostrado como se de um título de um episódio de uma série deste género se tratasse, neste caso de nome Paradox Theatre. A piscadela de olho não é subtil, e ao fundir-se a imagem do filme com a do aparelho televisivo retro, dispositivo a que recorreremos ao longo da narrativa, não sobram dúvidas nenhumas. Este é um exercício nostálgico que irá relevar um gosto particular, não só pela estética da reconstituição da era, como pela tecnologia analógica da altura. Seja a mecânica de artefactos de comunicação, como o quadro de distribuição de chamadas, com o ligar e desligar de fios numa complexa e arcaica gestão de conectividade inimaginável nos dias de hoje, seja o gravador de fita de bobine para bobine, central numa cena em que a procura de uma gravação revela toda uma arte no manusear do aparelho e dos seus acessórios.

Outro elemento decisivo para o seu sucesso é o desenrolar da narrativa num espaço temporal muito reduzido, praticamente em tempo real, o que impregna o filme de uma urgência exacerbada pela opção de Patterson em encenar alguns momentos através de planos sequência. Isto com efeitos muito distintos entre si. Por exemplo, os dois momentos mais memoráveis em que recorre a esta técnica não podiam ser mais diferentes. Um deles encena Fay a manobrar o quadro de distribuição de chamadas num longo e lento zoom que intensifica não só a estranheza do momento como a concentração do espectador, tornando-o cúmplice dos acontecimentos. O outro, muito mais vistoso, leva a câmara a viajar de uma ponta da pequena cidade à outra, entrando pelo pavilhão onde decorre o jogo, circulando-o e voltando a sair por uma janela no topo das bancadas para continuar o seu caminho. Neste caso, a pirotecnia visual serve para estabelecer a geografia em que decorre a acção, e a relação espacial entre as várias personagens. Feito ainda mais impressionante se atentarmos que este se trata de um filme independente de baixo-orçamento.

IMG_0760.jpeg

Se o sublinhar do enquadramento televisivo, com recorrências ao longo do filme, é questionável, não se pode deixar de apontar alguma coragem no assumir da palavra como elemento temático fundamental no cerne de A Vastidão da Noite. O que muitos poderão considerar como um travão à progressão da história, longas cenas de diálogo em que personagens secundárias contam histórias aos protagonistas, tornam-se absolutamente decisivas ao cristalizar da temática da comunicação, representada pelas actividades dos dois protagonistas. Aliás, em vários momentos com Billy, a imagem desaparece, evocando a memória das novelas radiofónicas de outras eras, ou seja, muito em voga no decénio em que esta própria história se passa. Felizmente, os actores estão à altura destes momentos, tanto Jake Horowitz, convencido e seguro de si, como Sierra McCormick, misto perfeito de inexperiência, curiosidade e iniciativa, introduzidos de forma curiosa e distante no primeiro acto, com o realizador só mais tarde a permitir a aproximação e identificação com a audiência, como os actores secundários Bruce Davis e Gail Cronauer, que oferecem os seus testemunhos de forma convincente e empática.

Talvez o final merecesse outra energia e outro impacto, mas mesmo pondo de lado as limitações de produção, parece-me que os autores arriscaram um puro retorno à inocência e à ingenuidade da era que viu a popularidade da ficção científica crescer exponencialmente. Por isso, não há aqui cinismo nem pós-modernismo, apenas um fascínio absoluto pela novidade, por um mistério que, dada a conjectura, só pode ter origem no céu, muito provavelmente com o envolvimento e cumplicidade do aparelho militar norte-americano. Entre rasgados elogios e algumas reticências, saúdo e celebro esta narrativa de ponderada respiração revisionista que, no entanto, tira o melhor proveito da tecnologia moderna, e recomendo que, por entre a interminável oferta dos vários serviços de entretenimento, tenham a oportunidade de descobrir A Vastidão da Noite.

Da 5 Bloods

Da 5 Bloods

Drácula, o príncipe dos vampiros de Bram Stoker

Drácula, o príncipe dos vampiros de Bram Stoker