Predador: Primeira Presa
Nem todos os grandes filmes deste Verão tiveram a sorte de Top Gun: Maverick, e O Predador: Primeira Presa foi um deles. Por ser uma produção da 20th Century Studios, propriedade da Disney, caso tivesse estreado nas salas de cinema, teria contratualmente de ser distribuído em streaming pela HBO Max. Assim sendo, a casa do Rato Mickey decidiu o lançamento directamente na Hulu, nos EUA, tendo chegado à Europa via Disney+. Má sorte para Dan Trachtenberg, aqui na realização do seu segundo filme. Mas mesmo sem o benefício da contabilização dos resultados de bilheteira, O Predador: Primeira Presa tornou-se no filme com o maior número de visualizações à data de estreia do canal.
Relembro que O Predador: Primeira Presa é o mais recente título de uma tremida linhagem que dá continuidade ao mega-sucesso de 1987 O Predador, protagonizado por Arnold Schwarzenegger e realizado por John McTiernan. Se é verdade que algumas das sequelas têm os seus fãs — casos de Predador 2, logo em 1990, e Predadores, em 2010 —, sempre faltou consistência a esta saga — se é que lhe podemos chamar de saga, visto que não se vislumbra uma continuidade de personagens nem de acção entre os diferentes filmes. Nada disto foi ajudado pelos spin-offs em que o Predador confrontou os Aliens, nem pela desilusão do mais recente trabalho do habitualmente fiável Shane Black.
Prey, que no título original abstêm-se de se colar à reconhecível marca Predator, é talvez um dos melhores exemplos de uma sequela de legado (ou prequela de legado, se quisermos ser rigorosos). Porque referencia elementos dos filmes anteriores, nomeadamente uma arma que se vislumbra no final de Predador 2, e que sugere o recuo histórico seguido neste filme, bem como a estrutura narrativa do filme original, sem se colar a eles de maneiras óbvias, construindo uma história fresca e original.
Recuando 300 anos, assistimos a um encontro entre um Predador e Naru, uma rapariga Comanche que se quer impor como uma guerreira no seio da sua tribo. Não só assistimos a um confronto entre entidades de parte a parte menos avançadas tecnologicamente do que nos filmes anteriores, como O Predador: Primeira Presa se revela uma exploração das dinâmicas entre caçador e presas, em diálogo com o clássico filme de Schwarzenegger, mas também comentando o colonialismo do continente Americano, bem como dos papéis sociais designados para as mulheres, tanto no micro-cosmos da tribo como no macro-cosmos de toda a existência humana, explorando o preconceito e o sexismo de formas subtis e perfeitamente alinhadas com as suas personagens e as suas acções.
A encabeçar o elenco, Amber Midthunder, como Naru, tem uma interpretação convincente, a par de Dakota Beavers, no seu primeiro trabalho em frente às câmaras como o irmão de Naru, Taabe. A fidelidade histórica foi uma grande preocupação de Dan Trachtenberg, que além de escolher actores de ascendência nativa-americana, queria gravar os diálogos em comanche. Não conseguiu que o estúdio concordasse, mas acabou por poder gravar uma dobragem em comanche oferecida como alternativa à banda sonora original na Disney+, o que é um feito digno de nota.
É uma pena não podermos ver O Predador: Primeira Presa numa sala de cinema, dada a sua tela expansiva e as suas paisagens, fotografadas por Jeff Cutter em formato anamórfico no estado canadiano de Alberta. Os seus cenários naturais são totalmente integrais à narrativa, e oferecem um fôlego épico ao filme. Nas dinâmicas entre caçador e presas de que falava, é fundamental a relação entre os comanches e os animais da região, tanto no que respeita à alimentação como à determinação da valentia guerreira, existindo um equilíbrio natural que é colocado em causa tanto pelo Predador — tanto quanto sabemos um caçador por desporto — como pelos colonos franceses — cuja dizimação dos búfalos baralha o mistério sobre o invasor assassino que coloca a tribo em perigo.
Nem tudo é perfeito em O Predador: Primeira Presa. A minha primeira queixa prende-se com o risco corrido por Trachtenberg no excessivo protagonismo do reino animal, especialmente numa cena envolvendo um urso. Isto numa fase em que os efeitos digitais ainda não estão à altura das exigências narrativas. Outro ponto menos positivo é a caracterização caricatural dos franceses, representados como verdadeiros bárbaros feios porcos e maus que, depois de servirem o seu propósito simbólico, são despachados como carne para canhão às mãos do Predador. Apesar disto, no que respeita a cenas de acção, a encenação de Dan Trachtenberg é irrepreensível, filmando-as com uma clareza e dinâmica apreciáveis, e apresentando algumas novidades no que respeita a armas e gadgets de consequências mortíferas que por certo farão as delicias dos fãs. Tudo no Predador é reconhecível dos filmes anteriores, mas a sua tecnologia é um pouco mais primitiva. Um exemplo é a sua armadura que, ao contrário do filme original em que era uma qualquer liga metálica, aqui é um crânio de uma anterior presa transformada em proteção da sua própria cabeça. Estes pequenos apontamentos de produção enriquecem, e muito, o universo aqui construído.
Depois do excelente 10 Cloverfield Lane, Dan Trachtenberg volta a dar cartas com um novo capítulo numa heterogénea série de ficção científica. Entre elogios a O Predador: Primeira Presa, há quem afirme ser tão bom, ou até melhor, que o original. Não vou tão longe, mas reconheço a solidez da sua proposta e, melhor que tudo, as possibilidades que abre para a saga, sugerindo futuros filmes em diferentes épocas históricas.