Godzilla vs. Kong
Depois de Godzilla (Gareth Edwards, 2014), Kong: Ilha da Caveira (Kong: Skull Island, Jordan Vogt-Roberts 2017) e Godzilla II: Rei dos Monstros (Godzilla: King of Monsters, Michael Dougherty, 2019), chega-nos mais um título do MonsterVerse, Godzilla vs. Kong, realizado por Adam Wingard, um nome oriundo do terror de baixo-orçamento a ter aqui a sua prova de fogo depois de alguns desastres comerciais e de crítica. Com a estreia originalmente prevista para Novembro de 2020 adiada por causa do COVID-19, Godzilla vs. Kong acabou por estrear internacionalmente a 24 de Março de 2021 e no serviço de streaming norte-americano HBO Max uma semana depois, conseguindo em menos de um mês recuperar o inflacionado orçamento através de receitas animadoras ainda em contexto de pandemia. Em Portugal, pode ser visto no grande-ecrã de 6 de Maio em diante.
Quem viu os filmes anteriores e se queixou da falta de profundidade na caracterização das personagens humanas, não se espantará com a continuidade desse problema aqui. No elenco menos sonante dos quatro títulos, Kyle Chandler volta num cameo de duas ou três cenas. Numa história que lança duas linhas narrativas paralelas, o protagonismo é dado, por um lado, à repetente Millie Bobby Brown, acompanhada de dois comic reliefs, o amigo Julian Dennison e o podcaster teórico da conspiração Brian Tyree Henry, e por outro, a Alexander Skarsgård e Rebecca Hall, a mãos com um incrível lugar-comum narrativo encarnado pela jovem actriz Kaylee Hottle. A complementar este grupo de heróis, e representando uma nova organização científica com uma missão duvidosa, temos Demián Bichir, Eiza Gonzáles e Shun Oguri.
Adam Wingard, que tinha estado apontado para dirigir a sequela não concretizada de King Kong de Peter Jackson, abraça o camp e o ridículo dos filmes originais da Toho, incorporando elementos de ficção científica que fazem deste um universo irreconhecível para nós, distanciando-se voluntariamente de qualquer verosimilhança ou sentido metafórico com paralelo no mundo real. Além disso, Godzilla vs. Kong não está interessado em criar antecipação nem perde tempo para revelar as suas estrelas em todo o seu esplendor. Tampouco mascara as cenas de acção com tempestades, chuva ou trovoadas, dando aos espectadores aquilo que é prometido no título e para o qual pagaram bilhete. Na verdade, as duas sequências mais memoráveis são precisamente os embates entre Godzilla e King Kong. O primeiro, em alto mar, com navios da Marinha Norte-Americana pelo meio, e o outro numa Hong-Kong altamente estilizada, iluminada a néon colorido, numa clara inspiração de Blade Runner: Perigo Iminente.
(Potenciais spoilers. Para evitá-los, recomenda-se que se ignore o próximo parágrafo.)
Os humanos são tão insignificantes no meio disto tudo que já nem interessa mostrar o sentimento de espanto e o perigo de quem não escapou do local onde a luta decorre. A apreciação deste espectáculo dependerá da relevância que se dá à ridícula trama que o complementa, envolvendo a Terra Oca, referenciada anteriormente, e a criação de mais uma célebre personagem dos filmes japoneses: Mechagodzilla. Ao fim e ao cabo, depois de se estabelecer Godzilla e King Kong como heróis empáticos nos seus filmes em nome próprio, seria uma traição desta vez denunciar qualquer um deles como o vilão.
Independentemente da qualidade ou da recepção crítica, os filmes deste MonsterVerse têm sido um sucesso de bilheteira, a começar no primeiro e melhor do grupo. Apesar de longe de perfeito, Godzilla, de Gareth Edwards, captura a necessária dose de espanto, admiração e temor substituída nos filmes seguintes pelo espectáculo do confronto. Espanta-me a recepção crítica largamente positiva e pontualmente entusiástica a Godzilla vs. Kong, mas não a ressinto. Já tínhamos fome de cinema, e, numa perspectiva de escapismo e escala, provavelmente este é o filme de que precisávamos neste momento. E aprecio que, a cada título, seja dada a um cineasta distinto, cada um com a sua equipa de colaboradores, a oportunidade de mostrar a sua visão, formando um todo que ainda assim mantém a coerência estética. Um bom exemplo é a utilização a cada título de um diferente compositor da banda sonora. Depois de Alexander Desplat, tivemos Henry Jackman, em Kong: Ilha da Caveira, Bear McCreary, em Godzilla 2, e agora Tom Holkenborg.
Só espero genuinamente que para a próxima seja dada uma atenção especial à história e às personagens, muito embora os resultados de bilheteira provem que tal não é necessário. Desde que Godzilla e King Kong continuem a distribuir sopapo a monstros gigantescos, o povo parece ficar feliz.