Episódio #1 - The Walk-O Desafio / Homem No Arame / Krull-Além da Imaginação
Quando ouvi falar no The Walk - O Desafio fiquei céptico. Parecia-me redundante. Homem no Arame, de James Marsh, é um excelente documentário de 2008 que tira proveito das múltiplas histórias narradas na primeira pessoa pelos intervenientes nos acontecimentos. Recheado de imagens de arquivo, tanto estáticas como em movimento, bem como reconstituições do golpe da entrada ilegal nas torres gémeas do World Trade Center ainda em fase de finalização de construção. É um filme inspirador onde a única peça em falta é a da performance de Philippe Petit propriamente dita. Além de algumas fotos e testemunhos emocionados não temos oportunidade de assistir à proeza que captou a atenção e imaginação de quem passava nas ruas em baixo numa manhã aparentemente normal.
Acontece que é precisamente aqui que o filme de Robert Zemeckis começa a fazer sentido. Ao colocar a tecnologia ao serviço da reconstituição da proeza de Petit, Zemeckis eleva este filme de uma eventual redundância para uma experiência imprescindível e complementar a Homem no Arame. Especialmente em IMAX 3D.
Vamos despachar as minudências: Em primeiro lugar: The Walk abre o flanco às comparações com Homem no Arame pois opta por um formato de narrativa contada na primeira pessoa, na figura de Joseph Gordon-Levitt, empenhado na interpretação de Petit. Apesar de algo desajeitado este dispositivo faz algum sentido pois Petit é um performer com uma personalidade carismática. Em segundo lugar a problemática da língua a e dos sotaques. Por incrível que pareça o sotaque de Gordon-Levitt é realista. Quem já ouviu Petit sabe disso. Mas quando uma produção em língua inglesa lida com uma história estrangeira existem duas abordagens possíveis, qualquer uma delas melhor do que a escolhida neste filme: ou se opta pela língua original - ver Inglourious Basterds, de Quentin Tarantino, ou Apocalypto, de Mel Gibson - ou se opta que o inglês falado represente a língua original - por exemplo, Caça ao Outubro Vermelho, de John McTiernan, ou Valquíria, de Bryan Singer. The Walk chama demasiadas vezes a atenção para o facto de que se está a falar inglês com sotaque através do dispositivo de que as personagens estão a praticar a língua pois planeiam viajar para os Estados Unidos. Não descarrila o filme mas é um elemento de distracção.
Ultrapassadas estas questões, e um primeiro acto onde o filme parece um conto de fadas, pelo menos como narrado pelo personagem principal, este torna-se verdadeiramente interessante quando a acção se muda para Nova Iorque. Por esta altura a leveza da acção torna-se em algo natural, ao invés do travo deixado pela primeira parte e, a partir do início do golpe a tensão escala para níveis elevadíssimos de “palmas da mão suadas”, culminando na peça central do filme: a performance de Petit na travessia do vazio entre as duas torres. Neste momento o glorioso IMAX 3D paga os seus dividendos e contribui grandemente para uma sequência arrebatadora.
Correndo o risco de ser hiperbólico, a transcendência do momento recriado é de tal forma que, a espaços, e sem justificação aparente, a humidade pareceu querer escapar-se das palmas das mãos e instalar-se nos olhos.
Krull - Além da Imaginação é um filme de 1983 de Peter Yates. Este é mais um exemplo de um filme que nunca vi até agora mas que povoou o meu imaginário, nomeadamente através da "novelização" pelo Alan Dean Foster editado em Portugal pela Europa-América na sua colecção de livros de bolso "Ficção Científica".
Passo a explicar: parte da minha paixão cinéfila transbordava para os escaparates desta colecção onde perdia eternidades a conhecer autores e títulos e a folhear tudo o que fossem adaptações de filmes. Foram mais os livros namorei platonicamente do que os que levei para casa e ainda hoje persigo alguns em alturas de saldos, mais pelo valor nostálgico do que pela qualidade da prosa. O nome Alan Dean Foster aparecia variadas vezes nestas deambulações. Assinava títulos como Alien - O 8º Passageiro, Aliens - O Recontro Final - inexplicavelmente dividi do em dois volumes - O Último Guerreiro do Espaço ou mesmo A Coisa - título da adaptação do The Thing de John Carpenter. Bem como Krull, obviamente, o filme de que aqui falo hoje.
Realizado por Peter Yates, Krull foi uma das mais caras produções do seu tempo e, além dum proto-Chris Pratt sem carisma no principal papel - o actor Ken Marshall - tem como curiosidades no seu elenco Liam Neeson e Robbie Coltrane em princípio de carreira. Na banda sonora encontramos um James Horner bombástico, fresquinho do Star Trek II: A Ira de Khan, mas ainda a alguns anos de nos afogar com o melaço da Celine Dion.
Krull mescla ficção científica, apanhando o embalo do Star Wars, com aventura fantástica de pendor Tolkiano e, apesar da competência da execução é prejudicado por uma narrativa surpreendentemente minimalista em termos de conflito e adrenalina. Enésima variação da perene história de herói em missão de salvamento da sua donzela em apuros, Krull desbarata mesmo assim o seu potencial de emoção e sentido de urgência.
Apesar do interlúdio neste marasmo que é a cena no covil da “Viúva da Teia”, cativante e com efeitos especiais utilizados de forma eficiente, Krull culmina num confronto final entre o herói, armado com uma mítica arma que se revela ter a eficiência de uma rebarbadora, e um vilão estático e nitidamente envergonhado do trabalho de construção do seu fato de borracha, desprovido de qualquer sentimento de diversão.
Apesar de não ser brilhante Krull é um filme competente mas é um produto do seu tempo: chamemos-lhe um bom filme de iniciação para o género, mas algo a desejar para um fã empedernido de fantasia. Uma rápida sondagem ao IMDB revela um grande número de entusiasmados fãs deste filme esquecido pelas areias intemporais da história cinéfila. Arriscaria dizer que a maioria destes já andariam por cá no princípio dos anos 80...
Por favor não se esqueçam de rebobinar...