Episódio #7 - A Ponte dos Espiões / O Último Guerreiro do Espaço
Será Steven Spielberg capaz de produzir um mau filme hoje em dia? Para quem está a pensar no Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, não será verdade que, independentemente dos problemas de argumento que o filme possa ter, há um saber e uma confiança tal na direcção de Spielberg que faz com que o resultado final esteja acima da média? Haverá também quem se queixe do lado supostamente sacarino de Spielberg, do seu olhar por vezes romântico das histórias que filma. Mas pergunto eu: no final do dia não temos todos um coração que palpita nos nossos peitos? Ao fim de três horas d’A Lista de Schindler não teremos mesmo de baixar as defesas e reagir ao que assistimos da única forma possível? E o que deveria fazer o E.T. - O Extra-Terrestre? Virar as costas a Elliot e simplesmente ir-se embora?
Dizia eu que Spielberg é um cineasta de excepção que eleva o material que filma. A Ponte dos Espiões é um projecto que não captou a atenção do público mas os mais atentos terão reparado que o argumento foi uma colaboração entre Matt Charman e Joel & Ethan Coen, num raro trabalho de escrita para terceiros. Baseado numa história verídica conta a história de como James B. Donovan, interpretado por Tom Hanks, um advogado especializado em seguros é recrutado para defender em tribunal um espião soviético em plena Guerra Fria e, eventualmente, negociar com os russos a sua troca com um piloto americano capturado por estes.
Tal como o anterior Lincoln, A Ponte dos Espiões parece à partida uma lição de história do professor Spielberg mas o resultado, como naquele, anda longe de ser maçudo ou moralista. Com uma fotografia visualmente arrebatadora de Janusz Kaminsky, uma banda sonora discreta de Thomas Newman, em substituição do colaborador perene John Williams, e interpretações do mais alto nível de Tom Hanks e especialmente Mark Rylance, no papel do espião Rudolf Abel, Spielberg encena habilmente o argumento que, com o polimento dos Coen, não só traz à superfície o humor inerente aos procedimentos como nos confronta com temáticas que acabam por ser tão actuais hoje como o eram naquele tempo que nos parece tão distante apesar dos50 anos apenas que nos separam.
Os conflitos de agora são mais complexos do que os dias da Guerra Fria. As ameaças são mais indistintas, insidiosas e menos identificáveis. Mas o que define a nossa humanidade deveria ser intemporal. Como encaramos o Outro? Como tratamos o inimigo? Será que para defendermos a nossa liberdade estamos dispostos a atropelar os valores que a definem? Estas são questões de fundo colocadas por uma narrativa que nos faz acompanhar o surrealismo do processo negocial e do diálogo críptico que encobre as relações diplomáticas entre nações à beira de um ataque de nervos. Vidas na corda-bamba do capricho político e dos egos do poder. Donovan aparece como um elemento neutro que representa os valores que os outros estão dispostos a ignorar e, metido no caldeirão de Berlim de Leste por alturas da construção do muro de Berlim, tem o pragmatismo de quem apenas quer ir para casa, deitar-se na cama e curar a constipação que o aflige.
Pode-se apontar que Donovan não tem arco narrativo e tenho de reconhecer que é verdade, mas é a sua integridade que serve de âncora ao desfecho da narrativa. É a sua integridade que é reconhecida pelo estóico Abel que, sem nunca trair o seu país, estabelece uma relação com Donovan que ultrapassa fronteiras e que, na paranóia da época lhe providencia um desfecho ambíguo e incerto. A direcção de Spielberg é, neste ponto fulcral: há uma dualidade e um jogo de reflexos entre as duas potências em confronto que demonstra não haver lados certos ou errados. Em ambos os casos o serviço prestado ao país é resultado de grande sacrifício pessoal. Demonstra também uma segurança no tratamento temático que evita a lição moral ou o patriotismo, apesar de esta ser uma história com um americano no principal papel.
Só o tempo dirá onde aterra A Ponte dos Espiões na filmografia de Spielberg, mas este é um cineasta um plena forma. Com uma linguagem popular e apelativa continua a encontrar histórias cativantes para contar com uma segurança que faz a arte de filmar parecer fácil e que, pelo caminho, nos faz vibrar com histórias do passado que nos fazem questionar o mundo que nos rodeia no presente.
É uma tarefa difícil a de revisitar filmes do nosso imaginário. Por um lado, com os filmes que revemos, há todo um historial carregado de nostalgia que é impossível ignorar e que influencia a nossa reavaliação. Por outro lado, nos casos em que estamos a ver um filme pela primeira vez, não só falta a relação emocional com o mesmo, como ainda temos a barreira do preconceito do que imaginámos que o filme seria durante anos a fio. A tolerância para efeitos especiais datados diminui, bem como para deficiências narrativas ou de direcção. Talvez por isto, dos três filmes que vi nesta rubrica, o único com saldo positivo foi Eles Vivem com o qual já convivo desde miúdo. Lifeforce - As Forças do Universo e Krull - Além da imaginação não passaram o escrutínio, nem com a boa vontade de um amante da série B.
Esta introdução tem como objectivo enquadrar mais um tiro ao lado na recuperação de outro filme nostálgico pelos dias do VHS: O Último Guerreiro do Espaço. Realizado por Nick Castle em 1984, este é um filme que durante muitos anos foi inter-mutável com dois outros títulos que na minha cabeça eram todos o mesmo: D.A.R.Y.L., de 1985 e Flight of the Navigator, uma produção da Disney de 1986. Todos eles sugeriam miúdos em aventuras com extraterrestres e/ou pilotagem de veículos voadores. Relembro que ainda se vivia nesta altura a ressaca do sucesso do E.T. - O Extra-Terrestre e da trilogia original do Star Wars. Atém disso Tron tinha-nos mostrado apenas dois anos antes todo um novo mundo de possibilidades no universo dos efeitos especiais introduzindo o cinema na era digital.
Este é o grande trunfo de O Último Guerreiro do Espaço: todos os seus efeitos especiais, fora maquilhagem e explosões, foi feita num computador. Nele conhecemos Alex Rogan um rapaz com grandes sonhos que vê a sua proficiência num jogo de computador de arcada servir como bilhete de entrada numa batalha intergaláctica que poderá decidir o futuro do universo.
O problema é que, mesmo com a devida distância e enquadramento histórico, os efeitos especiais que seriam inovadores à data de estreia não passam de uma curiosidade hoje em dia. A mitologia é superficial e a narrativa juvenil não sendo ajudada pelas interpretações que, apesar de tentarem um tom jovial e leve, parecem demasiadas vezes exageradas e desenquadradas.
O que me traz à questão fulcral: qual o peso da nostalgia na nossa apreciação dos filmes? Será que conseguimos olhar para um filme objectivamente, mesmo que seja um preferido de infância? Aposto que se tivesse visto este filme em 1984, com 7 anos, o teria adorado mas será que ao revê-lo hoje teria a mesma opinião que tenho agora? Mesmo sem resposta a estas questões uma coisa é certa: ainda não desisti da ideia de revisitar os filmes da minha infância: os que vi e os que queria ter visto.
Por favor não se esqueçam de rebobinar...