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Retrospectiva 'Missão: Impossível': em contagem decrescente para 'Ajuste de Contas Parte Um'

Retrospectiva 'Missão: Impossível': em contagem decrescente para 'Ajuste de Contas Parte Um'

Missão: Impossível - Ajuste de Contas Parte Um estreia quarta-feira, 12 de Julho, e terá direito a um episódio de podcast que lhe será inteiramente dedicado. Entretanto, convido-vos para uma retrospectiva desta saga de grande sucesso encabeçada por Tom Cruise e inaugurada há vinte e sete anos por Brian De Palma.

Quando, em 1996, Brian De Palma realizou a adaptação ao cinema da popular série televisiva Missão Impossível, com Tom Cruise no principal papel, ninguém poderia adivinhar a longevidade e qualidade da saga que se construiria a partir daí, ao longo de, para já, vinte e sete anos — nem mesmo a série em que se baseou durou tanto tempo, tendo contabilizado sete anos, entre 1966 e 1973, mais dois, aquando do regresso de curta-duração aos pequenos ecrãs, no final da década de 1980.

Missão Impossível (Mission: Impossible, Brian De Palma, 1996)

Naquele que foi o primeiro projecto da recém-criada produtora de Tom Cruise, Brian De Palma realizou um thriller de espionagem que pegou na natureza episódica da série original para a desconstruir, baralhando as cartas e mudando as regras do jogo. O que antes era o trabalho para uma equipa passou a ser a missão de um homem só, Ethan Hunt, figura central à volta da qual gravitariam diferentes personagens em variadas configurações de equipas ao longo de aventuras subsequentes.

Convenhamos que Brian De Palma não foi uma escolha óbvia para realizar Missão Impossível. Um dos nomes a emergir do Novo Cinema Americano dos anos 70, De Palma celebrizou-se com alguns filmes de terror — Carrie —, bem como thrillers fortemente inspirados em Alfred Hitchcock — Vestida Para Matar, Blow Out - Explosão ou Testemunha de Um Crime. Apesar do sucesso com os filmes de gangsters Scarface - A Força do Poder ou Os Intocáveis, as suas sensibilidades nunca alinharam com produtos para o grande público. No entanto, Missão Impossível não só foi um sucesso de bilheteira como forneceu a Tom Cruise um veículo que tem sabido gerir com mestria ao longo das últimas décadas.

Apesar das componentes tecnológicas extremamente datadas aos dias de hoje, as cenas de acção são emocionantes, e, tirando alguns pormenores — como a elipse (ou omissão total) na lógica dos disfarces de bombeiros na sequência de Langley —, a narrativa é surpreendentemente coerente, com De Palma a divertir-se com as revelações que vão sendo feitas, jogando com a percepção do espectador em relação ao que sabe (ou pensa saber) a mais que as próprias personagens. Não espanta, portanto, encontrar nos créditos do argumento nomes de peso como David Koepp, Steven Zaillian e o veterano Robert Towne.

A banda sonora de Danny Elfman actualizava o famosíssimo tema da série de TV, na mesma medida em que o conceito desta era reinventado para o grande ecrã, talvez alienando alguns fãs mais ferrenhos, mas abrindo as portas a um franchise moderno e dinâmico. Ethan Hunt tornava-se, assim, em sinónimo de Missão Impossível para uma nova geração, e, sem nunca apressar a produção de novos capítulos, Tom Cruise geriu de forma brilhante esta série em que promoveu, a cada episódio, a entrada de um novo realizador, permitindo-lhe liberdade para que contribuísse com o seu cunho autoral específico.

Em 2000, John Woo fez de Missão Impossível II o filme americano mais John Woo de sempre. Embora, hoje em dia, seja um título bastante vilipendiado, demonstrou que as missões de Ethan Hunt não se manteriam fiéis ao conceito da série televisiva original; e que cada escolha de realizador traria um sabor distinto a cada capítulo — o filme de Woo não podia ser mais distinto do anterior, e, ao mesmo tempo, não poderia ter sido realizado por mais ninguém.

Missão Impossível II (Mission: Impossible II, John Woo, 2000)

A história original é assinada por Ronald D. Moore e Brannon Braga, conhecidos pelas suas contribuições para algumas das encarnações televisivas de Star Trek e, no caso de Moore, pela reinvenção de Battlestar Galactica. O argumento voltou a ser assinado pelo veterano Robert Towne. Acontece que, apesar destes créditos, a escrita é dos elementos mais fracos desta sequela. A trama é genérica e parece saída de um qualquer filme de acção de segunda. Sem o elemento de missão tradicional, como ponto forte temos a personagem feminina interpretada por Thandie Newton, que norteia emocionalmente o filme, e que acaba por ser mais do que o habitual interesse amoroso do herói.

O que funciona em Missão Impossível II é o estilo de acção inconfundível e operático de John Woo. Para quem gosta das coreografias e das câmaras lentas dramáticas do realizador, há muito que apreciar: as cenas de acção são emocionantes, especialmente a sequência final que, verosimilhança à parte, é uma boa injeção de adrenalina que, no entanto, evapora da memória muito rapidamente depois de se ver o filme.

Depois de uma longa gestação, Joe Carnahan abandonou a produção de Missão Impossível III por diferenças criativas (felizmente, digo eu). Isto abriu a porta à estreia nas longas-metragens de J.J. Abrams. Em 2006, Abrams ainda só era conhecido pelo seu trabalho na televisão; Philip Seymour Hoffman parecia imortal e uma companhia duradoura no grande-ecrã; e Missão Impossível ainda não era um valor seguro, dez anos após a estreia do original.

Missão Impossível 3 (Mission: Impossible III, J. J. Abrams, 2006)

Regressava o espírito da série original através da constituição duma equipa multifacetada para a execução de arriscadas missões, da qual a sequência do Vaticano é um óptimo exemplo. A narrativa era económica e assente num macguffin refrescante, sendo que o ênfase foi colocado na carga emocional da ameaça à vida pessoal de Ethan Hunt, que continuava a sua mutação de filme para filme sem que isso, curiosamente, funcionasse em detrimento da série.

Uma coisa era constante: o inegável poder da estrela Tom Cruise. Mas a cereja em cima do bolo era mesmo a prestação deliciosa de Philip Seymour Hoffman como o vilão de serviço. O camaleónico actor ofereceu-nos uma personagem viscosa e odiosa com uma naturalidade ao alcance de poucos.

Apesar de alguma tendência megalomaníaca de J.J. Abrams, o desempoeirado estilo de acção de Missão Impossível III viria a colher frutos — tanto para a série, com uma influencia decisiva ao produzir os subsequentes capítulos até 2018, como para os futuros projectos do realizador —, e  apesar de não ter sido um grande sucesso de bilheteira, pelo menos à escala dos custos do mesmo, cimentou a série como uma certeza no que respeita a franchises de acção e espionagem, isto no ano em que o concorrente James Bond teve um ressurgimento espectacular com Casino Royale.

Quando, em 2011, Cruise deu a oportunidade a Brad Bird — realizador, até à data, das animações O Gigante de FerroThe Incredibles - Os Super Heróis e Ratatui — para se estrear na realização de acção real com Missão Impossível: Operação Fantasma, a série perdeu o numeral anátema das sequelas de decrescente qualidade, e encontrou uma combinação invejável de sucesso financeiro e reconhecimento crítico.

Missão Impossível: Operação Fantasma (Mission: Impossible - Ghost Protocol, Brad Bird, 2011)

Protocolo Fantasma beneficiou do conhecimento de Bird da dinâmica da animação, posta ao serviço das espectaculares sequências de acção, especialmente na secção central do filme, no Dubai. Simon Pegg ofereceu mais momentos de humor, e foi uma boa adição à equipa após a breve aparição no anterior, Paula Patton e Jeremy Renner contribuíram com personagens redondas e cativantes, e Tom Cruise voltava a não vacilar, apresentando-se no topo da sua forma física com o charme e o carisma habituais.

Outro ponto positivo são as "missões impossíveis" típicas da série, de volta em dois momentos eficazes: no Kremlin e no maior edifício do mundo, o Burj Khalifa no Dubai. Como pontos negativos, o argumento é possivelmente o mais fraco da série, com vilões descartáveis; uma história genérica e inconsequente, que apenas oferece o esqueleto para justificar as cenas de acção; e cenas de exposição desajeitadas que garantem ninguém ficar sem perceber o que se vai passar na sequência seguinte. Além disso, este é o capítulo que mais estica a boa vontade do espectador no que respeita à tecnologia usada que, a par com o globetrotting por países exóticos, aproxima ligeiramente Protocolo Fantasma de um James Bond da era Roger Moore. O resultado final é um filme com cenas individuais emocionantes, que satisfazem no momento, mas que, como um todo, fica aquém de outras entradas na série.

Christopher McQuarrie, habitual colaborador de Bryan Singer — escreveu o aclamado Os Suspeitos do Costume — aceitou o convite de Tom Cruise para ser o timoneiro do quinto capítulo da série Missão Impossível enquanto filmavam Jack Reacher. Além desta colaboração, os dois haviam trabalhado no passado em filmes escritos por McQuarrie, incluindo uma re-escrita não creditada em Missão Impossível: Operação Fantasma, experiência que terá contribuído para o voto de confiança dado por Cruise ao realizador para orientar o destino da sua bem curada saga. Com McQuarrie responsável também pelo argumento, normalmente o calcanhar de Aquiles de alguns dos capítulos, esta aposta resultou em mais uma sólida entrada para o cânone da saga.

Missão Impossível: Nação Secreta (Mission: Impossible - Rogue Nation, Christopher McQuarrie, 2015)

No ano em que James Bond pariu um rato com Spectre, Missão Impossível: Nação Secreta antecipou-se a Bond, não só na data de estreia como em emoção e relevância. Também aqui há uma sociedade secreta responsável por ameaças mundiais, com o Impossible Mission Force (IMF) igualmente a ser questionado no que respeita a métodos e pertinência face aos desafios do século XXI. Mas o que em Spectre serviu como um regresso ao cânone que parecia ter ficado no passado, aqui a premissa é a base para uma fita de acção desancorada e moderna, na qual a suspensão da descrença não exige grande esforço, e a adição de Rebecca Ferguson, como Ilsa Faust, a um elenco de caras conhecidas nos deixava optimistas em relação ao futuro da série.

Sabendo que passou a fazer parte do caderno de encargos desta saga um stunt da sua estrela a cada novo capítulo, Nação Secreta teve a ousadia de nos acenar com a mais recente proeza de Cruise nos trailers e nos pósteres, para depois a despachar no primeiro acto. Surpreendente é o resto do filme cumprir e fornecer momentos à altura dos melhores da série, sendo as sequências da ópera e da perseguição de motos exemplos disso mesmo.

Nitidamente, Tom Cruise ficou tão satisfeito com o trabalho de Christopher McQuarrie em Missão Impossível: Nação Secreta que quebrou o molde que caracterizava a série — convidar sempre um novo realizador a cada novo filme —, e convidou o argumentista e realizador para levar a bom porto Missão: Impossível - Fallout, estreado em 2018, vinte e dois anos depois do primeiro, o sexto título da saga que não parava de surpreender e crescer em popularidade. Além disso, se houve sempre o cuidado de recuperar aqui e ali pormenores de narrativas anteriores, nunca antes tinha um filme servido como uma continuação directa aos acontecimento do capítulo que o precedeu, lidando directamente com as suas consequências.

Missão: Impossível - Fallout (Mission: Impossible - Fallout, Christopher McQuarrie, 2018)

Este é, provavelmente, o filme mais ambicioso da série, elevando a fasquia do filme anterior e conseguindo a proeza de a superar com distinção. Especialmente no formato IMAX 3D — há pelo menos duas cenas inacreditáveis filmadas em câmaras digitais de alta resolução formatadas para IMAX —, este é um modelo de cinema-espectáculo a que muitos blockbusters norte-americanos se propõem e que poucos conseguem cumprir. Mais uma vez, o elemento essencial para este resultado é o realismo que a destreza da sua estrela empresta ao empreendimento, fazendo questão de se superar no que respeita aos desafios físicos que abraça e que executa quase na íntegra em frente às câmaras, que curiosamente, nesta produção, exceptuando os casos referidos, filmaram no táctil e persistente formato de película de 35mm.

É verdadeiramente impressionante assistirmos, sem nos apercebermos das costuras da manipulação digital, Tom Cruise a efectuar um salto HALO (High Altitude Low Opening), a conduzir carros e motos a uma velocidade vertiginosa pelo meio de trânsito em sentido contrário, pendurado de um helicóptero e a correr desenfreadamente. Muito. Mesmo. E durante muito tempo.

Christopher McQuarrie voltou a revelar-se como um conhecedor profundo daquilo que funciona na saga e, ainda antes do habitual genérico inicial em que podemos ter um vislumbre do que se vai seguir, o prólogo oferece imediatamente todos os ingredientes que irão certamente agradar aos fãs mais acérrimos, tanto da actual versão cinematográfica, como da original série televisiva. Durante a restante narrativa, somos brindados com referências a praticamente todos os episódios anteriores que recompensarão os mais atentos, incluindo elementos do passado pessoal de Ethan Hunt que o colocam numa situação de conflito interno em que tenta lidar com as consequências das suas acções passadas, o que lhe proporciona um inesperado arco emocional.

Este é também talvez o capítulo mais negro da saga, com uma brutalidade inusitada nos combates corpo-a-corpo e momentos de violência bem encenados por McQuarrie que nos fazem duvidar da consistência dramática da caracterização de Ethan Hunt para mais tarde nos serem revelados como golpes de magia dos quais fomos momentaneamente vítimas. Tal como os membros da equipa IMF, também McQuarrie diverte-se a iludir-nos e a surpreender-nos de forma a intensificar a tensão das cenas, como por exemplo, no pormenor de grande eficácia estética e dramática que envolve o afundamento de uma viatura celular.

Se o arranque do filme depende das habituais e incontornáveis cenas de exposição narrativa, daí em diante somos envolvidos num crescendo de acção imparável que culmina num final vibrante auxiliado pela propulsiva banda sonora de Lorne Balfe — que substituiu Joe Kramer, compositor em Missão Impossível: Nação Secreta —, nitidamente a colher frutos da influência da música recente de Hans Zimmer.

Missão: Impossível - Fallout é a rara sequela número seis que tem o potencial de ser o melhor filme da sua série. Tanto é que, menos de um ano depois da sua estreia, Cruise e McQuarrie anunciaram os capítulos 7 e 8, duas partes unidas por um mesmo título, Dead Reckoning (em português, Ajuste de Contas). Com a estreia iminente do primeiro capítulo deste par, conseguirá Fallout manter o primeiro lugar do pódio?

(Este artigo compila e edita vários textos escritos e publicados neste site entre 2015 e 2018.)

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